O centro como afirmação
(Resposta a um desafio de R@)
Muitos dos comentários feitos à aceitação por Freitas do Amaral em integrar um governo do PS parecem-me perigosos. O Prof. Freitas do Amaral deu umas tantas cambalhotas ideológicas nos últimos anos. Mas confesso que vê-lo num governo de centro-esquerda não é a que mais me impressione. Não se trata da primeira pessoa do CDS a integrar ou viabilizar governos liderados pelo PS: ainda antes das legislativas vimos como Portas se apressou em fazer as pazes com o deputado do queijo.
Considero perigosos esses comentários na medida em que se baseiam numa dicotomia simplista e redutora entre esquerda e direita. De acordo com tal dicotomia, não há alternativa entre a direita (que se caracteriza pelo liberalismo económico como modelo de organização interna e pelo unilateralismo nas relações internacionais) e a esquerda (solidária e internacionalista). Fora disto, tudo seriam tergiversações que dariam origem ao centrismo flutuante e oportunista, que corresponde, no fundo, à negação de convicções em favor da obtenção do poder.
A existência de convicções é necessária e urgente: mas isto não significa que ao afirmar uma convicção tenhamos que arrostar com todas as outras que, estatisticamente, lhe estão associadas. Da crítica à intervenção americana no Iraque não pode deduzir-se, de modo nenhum, a defesa da alterglobalização, a crítica do código do trabalho ou a luta pelo sistema nacional de saúde… Do mesmo modo, da crítica da liberalização do aborto não pode deduzir-se a defesa do liberalismo económico, a crítica da pena de morte ou a defesa da intervenção americana no Iraque.
Há, sem dúvida, um centrismo de negação, que corta nas convicções à direita e à esquerda, em favor do poder: é o centrismo do politicamente correcto. Mas há um centro que não é negação: é um centro que se compromete com a natureza pessoal do homem e que, como consequência, recusa quer o liberalismo quer o socialismo radicais; afirma que, da dignidade da pessoa derivam dois princípios na ordenação da vida social: em relação ao indivíduo, o princípio da solidariedade; em relação ao Estado, o princípio da subsidiariedade.
Estes dois princípios comprometem cada indivíduo com a sua liberdade, que devem viver de modo responsável: são responsáveis por si próprios e são responsáveis pelos outros; são responsáveis perante si próprios e responsáveis perante os outros. Estão vinculados aos outros, escapando ao atomismo pela sua responsabilidade; são pessoalmente livres, fugindo assim ao colectivismo.
Sendo os consensos alargados tão difíceis de atingir numa sociedade pluralista, este entendimento da vida política parece muito mais apto para a criação dos compromissos necessários à convivência social. Das suas consequências de ordem mais prática procuraremos tratar em outras ocasiões.
3 Comentário(s):
Que belo post...
É isso e mais nada.
Agradeço o comentário... mas permito-me uma graça: em vez de "é isso e mais nada", eu preferia um "é isso e muito mais"!
A ideia de centro como afirmação foge aos dogmas da razão e entende que a política é, de facto, irreútível à cartilha de qualquer teoria política ou filosófica!
Mais uma vez: muito obrigado!
The same anonymous tem a consciencia de que o seu comentário estava para lá de mau, incompleto, e insuficiente, mas é que o tempo escasseia.
Que o tenhamos para aprofundar o assunto, e que não deixemos este "centro como afirmação" pela rama.
Quem sabe, não nascerá daqui um projecto sólido (ou então, como já há projectos a mais, uma contribuição séria para projectos já existentes)...
Que não nos falte a coragem de ir aos diversos cernes das diversas questões, ao contrário do que se passa em "outras catacumbas" (por falta de tempo, suponho eu)
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