19.3.05

O centro como afirmação

(Resposta a um desafio de R@)
Muitos dos comentários feitos à aceitação por Freitas do Amaral em integrar um governo do PS parecem-me perigosos. O Prof. Freitas do Amaral deu umas tantas cambalhotas ideológicas nos últimos anos. Mas confesso que vê-lo num governo de centro-esquerda não é a que mais me impressione. Não se trata da primeira pessoa do CDS a integrar ou viabilizar governos liderados pelo PS: ainda antes das legislativas vimos como Portas se apressou em fazer as pazes com o deputado do queijo.
Considero perigosos esses comentários na medida em que se baseiam numa dicotomia simplista e redutora entre esquerda e direita. De acordo com tal dicotomia, não há alternativa entre a direita (que se caracteriza pelo liberalismo económico como modelo de organização interna e pelo unilateralismo nas relações internacionais) e a esquerda (solidária e internacionalista). Fora disto, tudo seriam tergiversações que dariam origem ao centrismo flutuante e oportunista, que corresponde, no fundo, à negação de convicções em favor da obtenção do poder.
A existência de convicções é necessária e urgente: mas isto não significa que ao afirmar uma convicção tenhamos que arrostar com todas as outras que, estatisticamente, lhe estão associadas. Da crítica à intervenção americana no Iraque não pode deduzir-se, de modo nenhum, a defesa da alterglobalização, a crítica do código do trabalho ou a luta pelo sistema nacional de saúde… Do mesmo modo, da crítica da liberalização do aborto não pode deduzir-se a defesa do liberalismo económico, a crítica da pena de morte ou a defesa da intervenção americana no Iraque.
Há, sem dúvida, um centrismo de negação, que corta nas convicções à direita e à esquerda, em favor do poder: é o centrismo do politicamente correcto. Mas há um centro que não é negação: é um centro que se compromete com a natureza pessoal do homem e que, como consequência, recusa quer o liberalismo quer o socialismo radicais; afirma que, da dignidade da pessoa derivam dois princípios na ordenação da vida social: em relação ao indivíduo, o princípio da solidariedade; em relação ao Estado, o princípio da subsidiariedade.
Estes dois princípios comprometem cada indivíduo com a sua liberdade, que devem viver de modo responsável: são responsáveis por si próprios e são responsáveis pelos outros; são responsáveis perante si próprios e responsáveis perante os outros. Estão vinculados aos outros, escapando ao atomismo pela sua responsabilidade; são pessoalmente livres, fugindo assim ao colectivismo.
Sendo os consensos alargados tão difíceis de atingir numa sociedade pluralista, este entendimento da vida política parece muito mais apto para a criação dos compromissos necessários à convivência social. Das suas consequências de ordem mais prática procuraremos tratar em outras ocasiões.

3 Comentário(s):

Anonymous Anónimo escreveu...

Que belo post...
É isso e mais nada.

20 de março de 2005 às 18:29  
Blogger Pedro F. escreveu...

Agradeço o comentário... mas permito-me uma graça: em vez de "é isso e mais nada", eu preferia um "é isso e muito mais"!
A ideia de centro como afirmação foge aos dogmas da razão e entende que a política é, de facto, irreútível à cartilha de qualquer teoria política ou filosófica!
Mais uma vez: muito obrigado!

20 de março de 2005 às 18:43  
Anonymous Anónimo escreveu...

The same anonymous tem a consciencia de que o seu comentário estava para lá de mau, incompleto, e insuficiente, mas é que o tempo escasseia.

Que o tenhamos para aprofundar o assunto, e que não deixemos este "centro como afirmação" pela rama.
Quem sabe, não nascerá daqui um projecto sólido (ou então, como já há projectos a mais, uma contribuição séria para projectos já existentes)...

Que não nos falte a coragem de ir aos diversos cernes das diversas questões, ao contrário do que se passa em "outras catacumbas" (por falta de tempo, suponho eu)

22 de março de 2005 às 19:33  

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