Ratzinger, a Igreja e a pena de morte
Quando a pena de morte é legal, o que se faz é condenar um indivíduo que cometeu um delito comprovado de extrema gravidade, e que, além disso, constitui um perigo para a paz social; isto é: castiga-se um culpado. No aborto, pelo contrário, aplica-se a pena de morte a um inocente.(O Sal da Terra, tradução minha da edição castelhana, p. 220)
A partir daqui surgiu a ideia peregrina de que o Papa é a favor da pena de morte! Esqueceram-se muitos comentadores do contexto (oh, esse chato que tem o poder de destruir qualquer argumento). Ora, o contexto em que surge a frase era a resposta a uma questão. E a questão não era (como tantos terão pensado): o que acha da pena de morte? Ou: deve admitir-se a pena de morte? A questão era saber porque razão a Igreja condena o aborto e tolera a pena de morte. Ratzinger começou a responder ao que lhe foi pedido afirmando que são duas coisas totalmente diferentes, que não admitem comparação. Logo, a discussão deveria morrer aqui! Mas alguns insistiram em comparar (citando Caetano Veloso: Tanto espírito no feto e nenhum no marginal).
Antes de prosseguir só gostava de levantar uma questão: estarão os críticos do Papa dispostos a levar até ao fim a sua crítica? Isto é: se a lógica anti-aborto deveria levar à condenação da pena de morte, não deveria a condenação da pena de morte levar, por maioria de razão, à recusa do aborto?
A resposta de Ratzinger enquadra-se no pensamento da tradição católica, expresso no Catecismo: a pena de morte surge entre os pontos referidos ao homicídio, enquadrada nas situações de legítima defesa. Do mesmo modo que a moral individual não culpabiliza uma acção de duplo efeito que tem por objectivo directo a defesa proporcionada, mesmo que conduza à morte do agressor, a moral social reconhece ao Estado o direito de, tendo por objectivo primeiro a legítima defesa da comunidade, realizar uma condenação à morte.
O problema que se coloca é o de saber em que medida pode um Estado, que teve capacidade para capturar e julgar um determinado indivíduo, afirmar que não tem capacidade para neutralizar a sua acção. Foi este problema que levou
A doutrina da Igreja não promove a pena de morte. Bem pelo contrário: veja-se o texto que
Esses casos não são os de um Bin Laden qualquer! São as situações em que a ordem pública esteja seriamente ameaçada e as instituições penais ejam incapazes de garantir o cumprimento de outra pena. Por isso, não se pode defender, à luz do Catecismo, a re-introdução da pena de morte no ordenamento jurídico português. Do mesmo modo, não me parece que o Catecismo justifique a existência de pena de morte nos EUA. Aliás, a pena de morte não está prevista no ordenamento penal do Estado da Cidade do Vaticano. O Catecismo da Igreja Católica não faz uma excepção cultural, ao estilo daquela que o Parlamento português aprovou para os touros de morte
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