Deitar cedo e cedo erguer...
Este ditado não foi feito para as JMJ! Ontem era já bem tarde quando chegámos a Colónia. Hoje, às 7h30, estava prevista a oração da manhã. De modo sensato, o pároco decidiu mudá-la para as 8h00, mesmo com o risco de chegarmos tarde às catequeses.
O dia de hoje destacou-se pela chegada do Papa: a partir da hora do almoço as margens do Reno começaram a encher-se de gente. Muitos já lá estavam desde a manhã, à espera de Bento XVI, que atravessou a cidade num passeio fluvial. Do barco, em frente a um meandro do Reno, falou pela primeira vez aos jovens reunidos em Colónia:
Durante estes dias, podereis fazer de novo a experiência comovedora da oração como diálogo com Deus, pelo qual sabemos que somos amados e o qual, por nossa vez, desejamos amar. Gostaria de dizer a todos com insistência: abri o vosso coração a Deus, deixai-vos surpreender por Cristo! Concedei-lhe o "direito de vos falar" durante estes dias! Abri as portas da vossa liberdade ao seu amor misericordioso! [...]
Que caminho empreender? O que é sugerido pelas paixões ou o que é indicado pela estrela que brilha na consciência? [...]
Queridos jovens, a felicidade que procurais, a felicidade que tendes o direito de saborear tem um nome, um rosto: o de Jesus de Nazaré, oculto na Eucaristia. Só ele dá plenitude de vida à humanidade! Com Maria, dizei o vosso "sim" àquele Deus que deseja oferecer-se a vós.
(Bento XVI, Festa de acolhimento dos jovens em Colónia, 18.VIII.2005)
Os jornais falaram muito deste momento como o teste de Bento XVI: aqui se iria pôr à prova se o novo Papa conseguiria cativar as multidões como o conseguira João Paulo II. Para quem ali esteve, essa questão era pouco importante: se já tínhamos chegado a Colónia era porque o Papa nos movia, fosse quem fosse! De qualquer modo (e essa é uma das duras tarefas de Bento XVI) a comparação era inevitável: em Paris, João Paulo II entrara no Champ de Mars ao som de Oh Happy Days; em Roma fizera um cortejo triunfal entre S. João de Latrão e o Vaticano por ruas pejadas de jovens que o aclamavam; com apenas um gesto galvanizava as massas... Bento XVI atravessou o larguíssimo Reno como um ponto pequeno, difícil de distinguir entre tanta gente que o rodeava no barco; bem mais reservado, não possui o talento teatral do seu antecessor! Mas estas são questões de show!
No essencial, Bento XVI continuou a melhor tradição de João Paulo II, que foi a de saber exigir a quem o ouvia: não propôs um discurso fácil; não iludiu o esforço que é necessário à vida cristã; não deixou de falar em três aspectos que têm sido constantes nas suas alocuções públicas: a Igreja vive da Eucaristia, presença oculta mas real de Cristo; a Igreja é a família dos amigos de Deus, vivos e defuntos; a razão é essencial na descoberta do bem!
Se o discurso do Papa não foi interrompido pelos aplausos, como acontecia com João Paulo II, não se trata de que ele não seja interessante. Mas é diferente: Bento XVI parte da exegese dos textos bíblicos, passando por esclarecimentos etimológicos ou teológicos para, no final, fazer convergir todo esse aparato numa conclusão clara. Resumindo: é mais magistral que teatral.
Bento XVI sabe bem que uma pausa ou um a exclamação são um convite ao aplauso. Mas o Papa não veio a Colónia para dar show! Está aqui connosco – repete – para O adorar! Esse é o lema dos próximos dias: Venimus adorare Eum!
Far-me-ei agora peregrino à catedral de Colónia para ali venerar as relíquias dos santos Magos [...] Estas relíquias mais não são do que o sinal frágil e pobre do que eles foram e do que viveram há tantos séculos. As relíquias orientam-nos para o próprio Deus; de facto, é Ele que, com a força da sua graça, concede aos seres frágeis a coragem de o testemunhar diante do mundo.
(Bento XVI, Festa de acolhimento dos jovens em Colónia, 18.VIII.2005)
O barco passou, e nós dirigi-mo-nos à catedral para a nossa peregrinação. Enquanto nos aproximávamos do centro da cidade, um cordão policial e as multidões agrupadas ao lado da estrada revelam que o Papa vai passar por ali: não apenas os peregrinos vindos de fora, mas também os habitantes de Colónia aguardam, com expectativa, a sua passagem. A frieza alemã não é indiferença: quando o cortejo papal passa, apesar de não de ouvirem os efusivos gritos latinos, ouve-se um grande aplauso nas janelas das casas e dos escritórios do centro da cidade. Será para o vice-Cristo? Será para o compatriota que, após 500 anos, voltou a levar a Germânia ao sólio pontifício?
No meio destas cogitações retomamos o nosso caminho para a catedral. É de noite: a imagem dos peregrinos a subirem, em silêncio, a escada, fica-me gravada na memória. Após entrar, a catedral está cheia de gente. Como não há luz no exterior, não nos perdemos a contemplar os vitrais. A multidão vai-nos empurrando, devagar, para o deambulatório, onde nos detemos diante do triplo sarcófago dos sábios do oriente.
Convidando-nos a venerar os restos mortais dos mártires e dos santos, a Igreja não se esquece que, em última análise, se trata realmente de pobres ossos humanos, mas de ossos que pertenciam a pessoas visitadas pelo poder vivo de Deus. As relíquias dos santos são vestígios daquela presença invisível mas real que ilumina as trevas do mundo, manifestando o Reino dos céus que está dentro de nós. Elas bradam connosco e por nós: "Maranatha! Vem, Senhor Jesus!".
(Bento XVI, Festa de acolhimento dos jovens em Colónia, 18.VIII.2005)
É quase meia-noite quando regressamos ao nosso alojamento: a espera pelo duche (relembro que somos 300 para 2 chuveiros), a ceia oferecida pelos voluntários, a troca de impressões sobre o dia atrasam ainda mais a hora de deitar...
Deitar cedo e cedo erguer...
Este ditado não foi feito para as JMJ!
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