19.6.06

Ainda não acreditam? (II)

Em comentário ao meu post Ainda não acreditam?, RCL colocou a seguinte questão:
RCL pediu desculpa por se alongar no comentário. Não tinha que o fazer porque, como se vê, além de este ser um tema que me é caro, é um tema que merce reflexão serena e ponderada, pelo que me alongarei um pouco mais sobre ele (se a caixa caixa de comentários tiver algum limite, será apenas devido ao Blogger.com).
Todos nós avaliamos a competência de quem está a prestar-nos serviços especializados. Por exemplo: eu não sei muito de informática, pelo que me vejo, com frequência, na necessidade de recorrer a técnicos especializados. Se eles resolverem as minhas dificuldades, então eu avalio o seu trabalho de especialistas mantendo o contrato e divulgando a empresa entre os meus conhecidos. Se eles não resolverem as minhas dificuldades há duas hipóteses: ou me convencem de que elas não podem ser resolvidas, e aí o problema é meu, ou eu consigo resolvê-las por outra via, e aí o problema é do técnico e da empresa, pois eu deixarei de recorrer aos seus serviços e deixarei de os recomendar quando me pedirem conselho.
Portanto, perante a questão lançada, só cabe uma resposta: questionar a competência de quem presta serviços especializados deve passar pela cabeça de todos os que estão insatisfeitos com o serviço prestado. Daí, decorrem duas considerações:
1) Quando me afirmarem que os pais são incompetentes em matéria educativa e que os professores são os técnicos especializados de educação vão ter que convencer-me de que é impossível educar melhor do que se educa em Portugal ou, então, eu irei procurar alternativas para a educação. Esta segunda via é a dos pais que vão procurar alternativas no ensino particular. E devem estar satisfeitos, porque as escolas de prestígio têm listas de espera. Bem sei que o sistema fica distorcido pelo facto de apenas os pais com recursos poderem pagar a escola particular. Mas as experiências de outros países mostram que a liberdade de escolha de escola favorece todos os intervenientes de um sistema educativo: entre os numerosos estudos sobre este tema destacaria Public and Private Secondary Education in Developing Countries, de Emmanuel Jimenez e Marlaine E. Lockheed, que recolhe dados de diversos países, apontando sempre para essa conclusão.
2) Os cargos políticos (principalmente os governativos) são serviços especializados: as tarefas de elaborar um orçamento ou de discutir política externa não me parecem menos especializadas que a de dirigir uma turma ou uma escola. Ora: nós confiamos a avaliação dessas tarefas à maioria dos cidadãos, num sistema em que conta tanto o voto dos técnicos como o dos analfabetos. Por isso referi que não se pode pensar em indivíduos que sejam simultaneamente incompetentes para decidir o futuro dos seus filhos e competentes para decidir sobre o futuro da sociedade. O século XX foi pródigo em sistemas políticos em que também se questionava porque havia que passar pela cabeça de alguém outra coisa senão admitir a competência de quem governa. E bem sabemos como foram tratados, tantas vezes, aqueles a quem passou pela cabeça que os governavam eram incompetentes.
Chamo a atenção para o facto de, até aqui, ainda não ter defendido nenhuma forma concreta de avaliação dos professores além do “mercado educativo”. Uma vez que a privatização do sistema educativo me parece estar totalmente fora de discussão, podemos, no entanto, sonhar com escolas mais autónomas, com projectos educativos concorrentes que, longe de hostilizar os pais, procuram ganhá-los para a sua causa.
Nota 1 – Eu sou professor e posso assegurar que o contacto com os pais tem sido, conjuntamente com os conselhos dos colegas, o factor mais importantes na identificação e correcção das falhas da minha actividade docente. Houve pais e colegas que defraudaram? Sem dúvida! Mas eu prefiro recordar os outros, pois são a larguíssima maioria!
Nota 2 – António Borges escreveu ontem, no Público, um interessante artigo sobre a relação entre a avaliação e a actividade docente (o link só está disponível para assinantes). Só não o subscrevo inteiramente porque, ao contrário do que aconteceu com outras medidas polémicas da ministra, tenho sérias objecções ao novo Estatuto da Carreira Docente.

3 Comentário(s):

Anonymous Anónimo escreveu...

Meu caro Lourenço, antes de mais, os meus cumprimentos pelo seu fair play.
Julgo, porém, que o problema que coloca não tem solução satisfatória.Em primeiro lugar não partilho a sua confiança nos mecanismos de mercado:se é fácil saber se o nosso computador ficou a funcionar bem depois da reparação - e isso é um bom teste à competência do reparador - saber se o um filho está a ser bem educado ou não é coisa que se verá dentro de uns vinte anos, talvez. As minhas opiniões a esse respeito são impressionistas e, frequentemente, emotivas. Terei competência para avaliar o projecto de ensino em que inscrevo obrigatoriamente os meus filhos? E sei se eles estão a ser bem ensinados? Não creio. O que sei é que eles não faltam demais, que não se portam muito mal e se têm boas notas. Mas, como sabe, ter boas notas a Matemática, p. ex., não equivale a ser bom na disciplina: significa que o professor (mais frequentemente o explicador)o treinou para o exame. As performances dos nossos alunos quando comparadas com as de outros países, são bem a prova disso. E, como também sou - fui - professor, sei que, geralmente, os pais consideram melhores os treinadores e não costumam gostar dos que perdem tempo a tentar ensiná-los a pensar.
Para não me alongar mais - já abusei da sua gentileza - acrescento apenas que não creio que estejamos a viver num sistema muito diferente dos totalitarismos que refere. Eu sei que as decisões sobre, p. ex., o túnel do Metro do Cais das Colunas (não sei se é alfacinha/lisboeta) foi tomada por tutelas democráticamente eleitas. Mas já lá vão quatro ou cinco governos de diferentes partidos e que possibilidades práticas temos nós de as contestar?
Nos idos de setenta pensava-se que "small is beautiful" justamente porque o que é pequeno é avaliável e controlável. As grandes máquinas, empresariais, estatais, militares sobretudo, essas não creio.
Um abraço.

20 de junho de 2006 às 14:24  
Blogger Pedro F. escreveu...

Caro RCL:

Em primeiro lugar, quero agradecer que tenha trazido o debate de volta a este blog que, como vê, tenho mito pouco tempo para actualizar.
De qualquer modo, quero dizer-lhe que concordo com a sua última ideia do "small is beautifull": só um sistema de escolas autónomas concorrendo com propostas diferentes e inovadoras, pode dar resposta às necessidades educativas de uma comunidade. A propriedade estatal ou privada das escolas (não sendo um factor irrelevante) fica em segundo plano perante a necessidade urgente de desburocratização e fortalecimento dos órgãos de gestão escolares.

30 de junho de 2006 às 14:30  
Blogger Em contra-corrente escreveu...

Isto da educação tem muito que se lhe diga. E este ano lectivo demonstrou-o.
Se duvidam, leiam o meu mais recente post.

14 de julho de 2006 às 15:50  

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