14.1.05

A Suspeita

Suspeito que mal nos damos conta de que vivemos num império da suspeita.
Há já algum tempo que comecei a pensar a suspeita como o grande tema do século XX. Entre estas cogitações encontrei-me, casualmente e de passagem, com um excerto em que Paul Ricoeur se referia a Marx, Freud e Nietzsche como os mestres da suspeita. Marx a fazer-nos suspeitar que as nossa acções são comandadas por superstruturas que mais não são que a manifestação da infra-estrutura da dominação capitalista; Freud a fazer-nos suspeitar que as nossas acções são o fruto do inconsciente libidinoso; e Nietzsche a fazer-nos suspeitar que as nossas acções se enquadram numa moral do ressentimento.
Curiosamente, nunca nenhuma época louvou tanto a liberdade; e nunca nenhuma época a negou tanto, colocando as motivações do actuar humano em forças ocultas incontroláveis. Nunca tanto se afirmou a autonomia da vontade do indivíduo-dono-da-sua-existência; e nunca tanto se isentaram de culpa os criminosos e os pecadores.
Não é esta a reflexão – mais longa – que gostaria de fazer sobre o tema. Mas dou-me conta (não sem algum susto) de que ele não permanece encerrado nos espaços da filosofia, da psicanálise ou da literatura: transborda para o quotidiano dando origem a uma série de justiceiros (como apontava o Picuinhices) que destroem a confiança, que é a base da convivência. E suspeito que terá sido na destruição da confiança que se jogou o sucesso do totalitarismo.

1 Comentário(s):

Anonymous Anónimo escreveu...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

22 de janeiro de 2005 às 22:54  

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