A separação da Igreja e do Estado
No Por Estas e Por Outras, Radagast colocou a seguinte questão, relacionada com a proibição do acesso dos homossexuais ao sacerdócio:
Não é esta decisão claramente inconstitucional na maioria dos países em que vai ser aplicada?
Esta questão deixa-me deveras perplexo, porque revela plenamente as aporias da modernidade de que somos herdeiros.
A suposição de que a oposição da Igreja à ordenação de homossexuais é inconstitucional parte de dois pressupostos errados: o de que a ordenação é um direito (nunca o vi expresso na Constituição, nem sequer no Código de Direito Canónico) e, mais grave, o de que o Estado pode legislar sobre as regras internas da Igreja! Supor que é inconstitucional recusar-se a ordenar gays é equivalente a supor que é inconstitucional proibir o acesso ao sacerdócio de mulheres ou de homens casados. Pior ainda: é equivalente a supor que o Estado tem o direito a declarar que é inconstitucional casar com uma morena e preterir uma loira ou preterir um homem num concurso para uma bailarina de strip!
Para uma tal conclusão há duas formas de argumentação possível. Numa perspectiva positivista, poder-se-ia analisar à luz da argumentação voluntarista que serve de base à defesa do casamento homossexual: a vontade de dois indivíduos livres e conscientes criaria esse direito, uma vez que a consciência se torna regra da moralidade. De acordo com esta lógica, e sendo a Igreja actual uma instituição à qual a adesão é livre e consciente, não se entende a objecção sobre a inconstitucionalidade da proibição do acesso dos gays ao sacerdócio: quem não estiver de acordo pode, facilmente, apostatar, sem que daí lhe venham represálias. Pode, até, constituir uma igreja dos padres gay, visto que há liberdade religiosa.
Uma outra linha de argumentação (que não me parece ser a do autor da questão) partiria da ideia de que há uma natureza humana que dá ao homem características inalienáveis que ele pode conhecer pela luz da razão. Assim sendo, poder-se-ia decretar com certeza algo. No entanto, a razão não é absoluta: por um lado, ela está presa à realidade numa atadura que não a limita, mas que a liberta da indeterminação. Por outro lado, ela é falível. Assim sendo, nem nesta perspectiva jus naturalista me parece razoável a argumentação da inconstitucionalidade da decisão eclesial: ou se declara dogmaticamente a origem da autoridade, e aí ela está fundamentada no dogma, ou se nega qualquer autoridade, criando-se um dogma da neutralidade que degenerará, inevitavelmente, na lei do mais forte, ou seja, no positivismo jurídico.
Em nome da separação da Igreja e do Estado, não deveriam ser os laicos mais prudentes ao proporem a intervenção constitucional em matéria canónica?
8 Comentário(s):
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Nada mais posso acrescentar depois da resposta do Radagast: ela eleva o Estado a uma categoria metafísica na artificiosa distinção entre a Constituição e a legisalação. Lembra-me as cançonetas do século XIX que celebravam a "do Céu vinda / liberal constituição". Segundo averiguei, a nossa constituição é histórica: não foi deixada nas mãos dos constituintes por uma Vitória alada enviada pelo Ser Supremo, mas aprovada por uma Assembleia Constituinte em 1976.
A suposição de que a Constituição não pode violar os direitos individuais parece-me uma ingenuidade que só a precipitação da resposta pode justificar. A Constituição é histórica (tal como a parte humana da Igreja) e, como tal, sujeita ao tempo. Assumir que a Constituição da República Portuguesa (ou qualquer outra) são as fontes da moral é o cúmulo do racionalismo. Foi uma das coisas que Bento XVI disse em Colónia: "A absolutização do que não é absoluto mas relativo chama-se totalitarismo."
A polémica sobre a não autorização da ordenação sacerdotal de homossexuais tem a ver com a tentativa de alguns de impor uma nova moral que nada tem a ver com o progresso da humanidade mas muito com interesses de domínio imperialista.
Apenas duas notas:
a primeira é que a ordenação sacerdotal não deriva de um direito mas de uma vocação pessoal de Deus;
a segunda é a de que a Natureza fez o homem e a mulher sexualmente completos e diferentes e são essas características, físicas e psíquicas (a voz, os pelos, as reacções perante situações.) que nos fazem ser e agir como homem ou mulher e, genitalmente, - nos órgãos genitais porque adequados à geração de novos seres – complementares.
Por esse motivo, a geração de novas vidas é, por natureza, alcançada pela união íntima entre um homem e uma mulher e não por uma caricatura dessa união feita por dois homens ou por duas mulheres.
Ser homossexual, segundo estudos recentes, só raramente nasce com a pessoa. Consequentemente a Homossexualidade não é, por isso, uma tendência natural. O seu aparecimento pode ser devido a causas físicas ou psíquicas, geradoras de uma insatisfação com o seu ser sexual de homem ou mulher, motivadas por defeitos de educação ou atitudes erradas dos pais tais como, por exemplo, o desinteresse de um dos cônjuges pela criança originando uma afectividade desordenada e mal orientada.
Trata-se portanto, pelo menos numa elevada percentagem de casos, de uma doença cujo tratamento pode ser feito por pessoal especializado, actuando, preferentemente, em equipas constituídas, entre outros, por médicos psicólogos e psiquiatras, orientadores familiares, assistentes sociais, sacerdotes.,, etc.
Os resultados alcançados por quem se dedica ao estudo e tratamento destes casos são deveras animadores.
Os homossexuais merecem todo o respeito, toda a compreensão, toda a delicadeza, todo o tempo, e apoios necessários para resolverem ou, se necessário, aceitarem viver com o seu problema.
Mas é abusivo tentar impor como naturais, comportamentos que são, começando logo na complementaridade física, claramente contrários à natureza humana.
"Trata-se portanto, pelo menos numa elevada percentagem de casos, de uma doença cujo tratamento pode ser feito por pessoal especializado..."
A homossexualidade foi retirada da lista de doenças da Organizaçäo Mundial de Saúde em 1972.
Na listagem da APA (American Psichology Association), o DSM, também näo consta como patologia.
Cada um pode ter a sua opiniäo sobre este assunto. Mas há coisas que näo dependem da livre opiniäo...
"Mas há coisas que näo dependem da livre opiniäo..."
Caro Manuel: isso é válido para o dogma católico, ou apenas para os dogmas da cultura gay?
Caro Lourenço,
A minha intervençäo näo tem nada a ver com dogmas, nem de uma espécie nem de outra. Como sabe, a própria definiçäo de dogma remete para realidades näo verificáveis cientificamente. Por isso se fala de dogmas... E repare que näo estou a discutir a sua validez. Essa é uma questäo de outra natureza.
O que escrevi refere-se apenas e só a realidades verificáveis, demonstráveis empiricamente e comummente aceites pela comunidade científica.
Eu poderia continuar a defender que o sol gira à volta da terra. Posso ter essa opiniäo. Mas a minha opiniäo näo pode ser aceite como válida porque é contrariada pela evidência científica, cuja demonstraçäo näo só está comprovada como é repetível.
Defender um dogma, enquanto realidade de fé, é legítimo. Mas näo confundamos dogmas com evidência científica. Seria estar a usar critérios de avaliaçäo iguais para realidades de natureza diferente.
Quando falo de dogmas estou no campo da fé. E é aí que temos de situar a reflexäo.
Quando falo de patologias estou no campo científico. E aí näo entram questöes de fé.
Misturar os campos é causar a confusäo. Näo é bom. Nem honesto.
Tenho a mesma opinião do autor do post.
A ordenação não é um direito mas uma escolha. Doutro modo tínhamos que admitir que Jesus também fez discriminações. Não ordenou mulheres (têm papéis diferentes e importantes na sociedade) nem ordenou os que vieram ter com Ele mas os os que quis.
Se uma Constituição não respeita os direitos dos indivíduos ou das sociedades que eles constituem, há que mudá-la. As constituições são sempre precárias enquanto as religiões vão subsistindo. Veja-se o caso do Budismo, Cristianismo, Islamismo, etc., etc..
Linkei o seu Blogue porque gostei do vi.
Bom Natal para todos!
Caro Manuel:
Refere "realidades verificáveis, demonstráveis empiricamente e comummente aceites pela comunidade científica."
Por isso mesmo falei em dogmas: saberá, porventura melhor do que eu, como foi polémica a retirada da homossexualidade da lista que referiu. E como numerosos psiquiatras continuam a falar de tratamento da homossexualidade... Infelizmente, a maioria dos estudos sobre o assunto está, normalemente, comprometida, quer para um lado quer para o outro. Não me parece que haja o mesmo consenso na comunidade científica acerca da homssexualidade e do heliocentrismo... Se "a própria definiçäo de dogma remete para realidades näo verificáveis" assumir como certo o que o não é equivale a "Misturar os campos": "Näo é bom. Nem honesto."
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