17.9.06

Um Deus da Razão!

Estando para lá do mundo, o Deus dos cristãos não lhe é contrário nem alheio: o mundo, saído das suas mãos, é regido por regras conformes à natureza divina.
Esta razoabilidade da Fé sempre foi um tema caro a Joseph Ratzinger: na sua última intervenção pública enquanto tal, na abertura do conclave que o elegeu Papa, referia-se à importância da razão na crítica ao vazio do relativismo. Depois de eleito, reafirmou em diversas ocasiões a importância do estudo racional da fé quer para a formação dos católicos, quer para o diálogo com os não católicos.
Na sua estadia em Auschwitz, em Maio deste ano, o mote da sua alocução foi: O nosso Deus é um deus da razão! Nesse lugar, que alguns consideraram como prova definitiva da inexistência de Deus, Bento XVI não fugiu à dureza do problema do ocultamento de Deus perante o mal, e concluiu que a exclusão de Deus da esfera da racionalidade só pode degenerar na violência. Deus não só existe como pode ser reconhecido, pois é um Deus da razão: a ordem do mundo, o desejo de bem e de felicidade do Homem só podem ser compreendidos e satisfeitos por um percurso para Deus conforme à razão do Homem. Afirmar que a razão é inútil para chegar a Deus conduz a um de dois abismos: o da inexistência de Deus (e se Deus não existe, tudo me é permitido) ou o da arbitrariedade de Deus (e se Deus não se compreende, tudo me é permitido em seu nome)...
O discurso de Bento XVI em Ratisbona pretendeu reafirmar isto: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus! A frase era retirada de um diálogo medieval que pretendia mostrar a ilegitimidade da violência na propagação da fé.
Do ponto de vista académico, Bento XVI situa a frase no contexto. E faz bem! Mas, do ponto de vista pastoral, que se pretende com a citação de uma tão veemente crítica no momento em que as relações entre os muçulmanos e os infiéis são tão tensas?
Talvez Bento XVI tenha cometido um lapso (facto pouco provável, dada não só a sua craveira intelectual, mas também a atenção que merecem os textos papais antes de serem pronunciados). Mas, mesmo que seja um lapso (e tal como aconteceu com os cartoons dinamarqueses) ele revela os interlocutores que temos para lá (e para cá, também) do Mediterrâneo: parlamentares que não sabem ler um texto académico; imãs para os quais diálogo inter-religioso é um termo carente de sentido; e massas ululantes e alienadas pelos anteriores, que queimam indiferenciadamente bandeiras israelitas, retratos de Bush ou igrejas ortodoxas, como se se tratasse tudo da mesma coisa.
Nós somos os infiéis! E infelizmente para nós, essas multidões do cordão muçulmano, estão apenas à espera do momento em que nos farão chegar a verdade... Tanto lhes dá que em Ratisbona, Roma ou Washington os seus correligionários gozem de plena liberdade de culto e de expressão: nos seus países, a conversão ao cristianismo está proibida, podendo ser punida, em alguns casos, com a morte por apedrejamento.
Se o Islamismo é, como tantos afirmam (e eu espero) uma religião de paz, não lhe fará mal nenhum mostrar alguma misericórdia. Mas se o Islamismo estiver, como parece, a reforçar a componente violenta que o caracterizou ao longo da sua história, talvez seja melhor ao Ocidente reflectir sobre a oportunidade do apaziguamento dos muçulmanos. Caso contrário, corremos o risco de, dentro de 60 anos, ter que ouvir outro Papa a lamentar as consequências do apaziguamento da irracionalidade!

1 Comentário(s):

Anonymous Anónimo escreveu...

Gostei e por isso o coloquei em "O melhor dos blogues"

23 de outubro de 2006 às 16:58  

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