Saído do draft– Aborto: o crime estará mesmo na lei?
15.10.2006
A retórica favorável ao sim no referendo ao aborto afirma-se cheia de respeito e clemência pelas mulheres, invocando que pretende poupá-las à violência do aborto clandestino para o qual são empurradas… No entanto, creio que este argumento é, em absoluto, carente de sentido. Ora vejamos: há entre os defensores do “sim” dois grandes grupos:
a) por um lado, há o grupo mais vasto dos que defendem a liberalização do aborto como modo de contracepção (há aspectos ridículos nesta expressão, pois só com muito boa-vontade podemos chamar contracepção à morte de um feto com 10 semanas). O mote deste grupo é o célebre slogan o corpo é meu, a decisão também. Estes militantes são, inegavelmente, pró-aborto: com ânimo leve, defendem que o aborto é um direito. Custa-me vê-los invocar o sofrimento real das mulheres que foram empurradas para o aborto clandestino como argumento do seu discurso libertário: a sua campanha não é a das mulheres obrigadas a abortar um filho que não podem ter; é a das mulheres que pretendem abortar uma criança que não querem ter.
b) por outro lado, temos o grupo mais restrito dos que, sinceramente, defendem que a lei deve ser compreensiva com as mulheres que se encontraram com uma situação limite. Para estes, o aborto não deve ser encarado de ânimo leve: as mulheres são empurradas para o aborto por circunstâncias que, normalmente, lhes são exteriores: um parceiro que não quis assumir a paternidade, um patrão que ameaçou com o despedimento ou uma situação económica desesperada, etc... No entanto, invocar a despenalização nestes casos é uma estratégia extremamente arriscada, pois uma lei restritiva do aborto é a melhor garantia da mulher: perante o parceiro, o patrão ou a pobreza, a mulher está protegida por uma lei que a proíbe de abortar. Destruída essa lei, a tirania do parceiro, do patrão ou das circunstâncias será inexorável; e o aborto, que antes era um recurso extremo e brutal, passará a ser encarado como uma alternativa próxima e razoável.
Ironicamente, supondo proteger as mulheres, os defensores do sim estão a colocá-las sozinhas perante o dilema do aborto. E os defensores do não, parcendo implacáveis com elas, estão a criar alternativas para que possam contar com alguém quando, apesar das circunstâncias adversas, pretenderem prosseguir do lado da vida: a sua e a da criança que foi concebida no seu seio.
3 Comentário(s):
Sabe? Eu estou de acordo consigo em quase tudo. Num país ideal em que a lei funcionasse implacavelmente, um pai renitente seria sempre chamado a assumir as suas responsabilidades. Uma menina, mesmo se adolescente, que cedeu à curiosidade ou, quem sabe, a uma paixão imatura, seria apoiada, poderia conservar o seu menino e continuar no liceu. Quando arranjasse um emprego, o patrão não se importava com o facto de ela ter um filho - o que implica, normalmente, faltar porque o bébé adoeceu - e fazia-lhe um contrato. Neste país ideal o aborto era muito bem condenado.
Qualquer um de nós podia atirar a primeira pedra.
Mas, meu caro Lourenço, para o bem e para o mal, vivemos aqui e agora.
Portugal é o que é.
Gosto demasiado das mulheres para não sentir com elas o trauma do aborto que elas próprias não sabem como evitar.
O Lourenço sabe?
Gostei deste post e "roubei-o" para "O melhor dos blogues".
Se tiveres alguma coisa contra, diz.
Excelente, Lourenço.
E quanto ao que tacci escreveu, sem dúvida que qualquer um de nós sente (ou procura sentir dentro das suas possibilidades várias) o trauma das mulheres que abortam. O grande problema está apenas em saber quem faz e quem não faz alguma coisa para o bem dessas mulheres.
Os adeptos do aborto, procuram a descriminalização de um homicídio com argumentos que nos fazem chorar. Ao contrário, os adeptos da vida são os que têm ajudado permanentemente a secar as lágrimas a tantas dessas pobres mulheres que se vêem a braços com o dilema do Aborto. (Poupo-vos ao nome dessas instituições que todos conhecem)
É caso para perguntar: afinal, quem sente mais o problema do aborto - os que legislam do alto da sua cadeira sentimentalóide ou os que no campo lidam directamente com os sentimentos de quem sofre?
E como muitos desses adeptos do sim à cultura de morte são os que incentivam essas políticas sociais de que tacci se queixa, eu opto por estar do lado daqueles que estão do contra, ou sejam, os que não falam apenas de ideiais sociais mas que os praticam diariamente. Inconformismo? Talvez... Mas, sobretudo, amor à vida.
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