Ao longo dos últimos dias, a imprensa mundial publicou já mais de 50.000 artigos de opinião sobre a vida e morte do Papa João Paulo II. A esmagadora maioria dos artigos são laudatórios da vida e obra do Papa. Calculo que muitos omitem, por respeito próprio das circunstâncias, as discordâncias.
Do que se foi publicando em dois ou três diários portugueses, creio que o balanço será similar. Para além das referências à firmeza da Fé do Papa, a generalidade dos artigos destacou dois aspectos: a defesa da paz e a luta pela liberdade. Uma minoria atacou o Papa como autoritário na Igreja ou refere, como aspecto negativo, a responsabilidade do Papa na propagação da sida.
Este último facto é estranho. Mas ele vinha a desenhar-se há já alguns anos: perante a crescente popularidade de João Paulo II era urgente encontrar-lhe um pecado original. Coisa nada fácil, dada a solidez das posições do Papa e a importância que a divergência de opiniões tem na estruturação de uma sociedade plural. Conseguiu-se, no entanto, uma lógica simplista para garantir a desumanidade de João Paulo II. A falácia é a seguinte: 1) o Papa condena o uso do preservativo; o preservativo é o melhor meio de combate à sida; conclusão: o Papa é contra a prevenção da sida! Nas radicalizações do discurso chegou mesmo a afirmar-se que o Papa era o responsável pela pandemia da sida.
O aspecto mais bizarro desta lógica é o seguinte: as pessoas que não se importaram com a doutrina da Igreja na altura de uma relação extra-matrimonial (seja ela pré-marital, adúltera ou outra) deixam de usar preservativo porque o Papa manda?!
Numa sociedade erotizada como a contemporânea o argumento parece ter valor: a exaltação do sexo supôs que o Homem não é capaz de contrariar os seus apetites sexuais! Logo, João Paulo II poderia ser condenado por propor uma doutrina inconciliável com a condição humana! Mas, para que este argumento seja válido, é exigida uma visão laxista sobre a sexualidade. Quando os media especulam sobre a vida sexual das figuras públicas; quando o mercado da pornografia está num crescimento extraordinário; quando os publicitários usam o sexo para vender tudo, desde os automóveis às cervejas; então é provável que se considere desumana a doutrina da Igreja sobre a sexualidade.
Eis aqui, no entanto, o aspecto em que João Paulo II foi, de facto, um campeão da liberdade: mais que na luta contra a tirania política, procurou afirmar que só a cultura poderia dar a verdadeira liberdade ao Homem, uma vez que só pela cultura o homem se distingue dos animais. A doutrina da Igreja sobre a sexualidade (em particular a teologia do corpo de João Paulo II) é uma afirmação de liberdade, uma afirmação de humanidade, uma rebeldia contra a espontaneidade dos instintos própria da vida selvagem! Afirmar que o Homem não é livre em matéria sexual é, de facto, obrigá-lo ao preservativo. Mas a doutrina do Papa (e o seu exemplo, e o de tantos milhões de católicos que são fiéis à doutrina da Igreja) sempre afirmou que o homem não estava condenado ao deboche e à promiscuidade. Terão aqueles que cederam à infidelidade matrimonial, levando silenciosamente a sida para o interior das suas casa, deixado de usar preservativo por respeito à autoridade papal? E os homossexuais? E os jovens que, instigados por uma imprensa e por uma televisão insinuante ou agressiva, viveram de modo promíscuo a sexualidade?
A defesa da liberdade e a moral sexual da Igreja fundamentam-se numa mesma antropolgia. Pode discordar-se dela; pode criticar-se. Não pode, no entanto, dizer-se que ela não ficou clara, em particular nas encíclicas Fides et Ratio, Evangelium Vitae e Veritatis Splendor. (E é obrigatório reconhecer que se os princípios nelas inscritos fossem mais difundidos a pandemia da Sida não teria atingido proporções tão elevadas, pelo menos nos países de tradição católica.)
Supor que o Homem não é capaz de resistir aos seus instintos sexuais equivale a colocá-lo numa categoria infra-huamana: e como pode uma sociedade democrática sobreviver se, em vez de cidadãos, é constituída por bichos?
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