Sem ilusões
Lá para o princípio de Maio a papamania terá passado. Ao longo das próximas semanas o ritmo dos directo do Vaticano irá diminuir. Terá um pico nos dias de abertura do conclave, no dia da eleição do novo Papa e no dia da sua Missa inaugural. Depois seguir-se-á um período de estado de graça, como sucede com os governos: nas páginas dos jornais haverá biografias apressadas e previsões dos vaticanistas, juntamente com artigos intitulados Os dez desafios do Papa X ou A Igreja que espera o Papa. Nessa altura surgem fotografias da habituação do novo Papa ao cargo, não já nas páginas principais mas no potfolios dos suplementos. Talvez haja alguma curiosidade sobre se o novo Papa irá ou não concretizar a viagem à Alemanha agendada por João Paulo II para Agosto. Quando ocorrer a viagem, já terão acabado todas as ilusões.
Quem acreditou que o novo Papa irá, finalmente, autorizar a ordenação das mulheres, o fim do celibato dos padres ou o relaxamento da moral sexual, começará a falar em oportunidade perdida no conclave. Regressarão as críticas à Igreja como causadora de todos os males do mundo, desde a sida (porque o Papa condena o preservativo) à pobreza (por causa das riquezas do Vaticano). Começará o revisionismo do pontificado de João Paulo II e sobre ele, como sobre Pio XII, dir-se-ão as coisas mais absolutamente mirabolantes. Os media, que agora seguem como abutres a agonia, o funeral e a eleição, irão atrás de um qualquer Cornwel que, tendo passado um dia na biblioteca do Vaticano, aparecerá como investigador exaustivo do pontífice polaco. Qualquer dessas biografias delirantes – cheia de fotografias e de revelações polémicas – venderá mais que o extraordinário Testemunho de Esperança de George Weigel!
Por outro lado, os católicos que acreditaram que as manifestações unânimes em torno da figura de João Paulo II eram sinal da primavera da Igreja de que o Papa tanto falava, já se terão dado conta que o referendo sobre o aborto está na ordem do dia em Portugal, a laicização oficial em Espanha está em marcha, etc... Também aí se desfarão ilusões. Mas será nessa altura – quando se tiverem desfeito as ilusões que a emoção criou – que começaremos a dar-nos conta de que João Paulo II é, realmente, João Paulo Magno. Será ocasião para ver que a primavera da Igreja não é a restauração dos estados teocráticos ou o fim dos combates pela vida, mas a tomada de consciência da doutrina do Vaticano II sobre a chamada universal à santidade e o compromisso dos cristãos com a continuação da obra da criação, através da santificação dos deveres da vida quotidiana. Será a altura para perceber que o que está em jogo não é saber se os leigos podem ser ou não uma espécie de padres disfarçados, mas formar os leigos para que sejam, também eles, testemunhos da esperança cristã, sal a terra, luz do mundo.
Isso é mais difícil que um novo concílio: os pseudo-conciliaristas debatem teorias sobre o que Cristo disse. Os testemunhos de esperança comprometem-se, integralmente, com o que Cristo disse. E entre o que Ele disse está o incontornável ninguém pode servir a dois senhores.
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