Na passada sexta-feira (Sexta-Feira Santa), esta belíssima pietá de Van Gogh servia de ilustração da capa do Público, remetendo para o tema de abertura do jornal: a proposta de uma nova interpretação da história da paixão de Cristo, a partir do badalado Evangelho de Judas.
Sempre me espanta a atenção e credibilidade que os evangelhos apócrifos merecem na mesma imprensa que tanto critica a credibilidade de três Evangelhos concordantes (os sinópticos, de Mateus, Marcos e Lucas): do ponto de vista da crítica histórica, para conhecer a vida de Jesus, os melhores documentos são, sem dúvida, os três sinópticos, uma vez que têm a antiguidade, concordância e credibilidade que a generalidade dos apócrifos não tem. Quanto ao Evangelho de João, ele destaca-se porque, para além de uma concordância relevante com o que é dito nos sinópticos, apresenta com maior cuidado a personalidade de Jesus.
Difunde-se agora, no âmbito dos fenómenos genericamente designados como new age, a ideia de que a Igreja teria escondido a verdadeira história de Jesus em nome de uma ideia de poder temporal de carácter autoritário e misógino: a imagem do poder imperial romano.
Como contraposta a esta Igreja (hierárquica, como insistiam os teóricos da Teologia da Libertação) surgia um outro cristianismo, carismático e não dogmático, esvaziado de conteúdo doutrinal, e transformado numa experiência sentimental. A relação com Cristo deixa de ser relevante e abre-se a porta para as espiritualidades orientais, para as terapias pela cor, para os cultos da deusa, e toda a série de disparates que se seguem…
Os evangelhos apócrifos fazem parte da história humana e da história cristã. Quem os ler com um pouco de sentido crítico, entenderá claramente porque razão a Igreja não os aceitou como canónicos: os piedosos são, regra geral, mais milagreiros e mirabolantes; os gnósticos são de carácter iniciático e misterioso, apresentando segredos não confirmados por nenhuma outra fonte creível, como a predilecção de Judas ou a intimidade com a Madalena.
Optar pelos Evangelhos apócrifos como chave de interpretação da vida de Jesus é uma hipótese; no entanto, é uma hipótese bem menos razoável que a opção pelos evangelhos canónicos. Optar pelos evangelhos apócrifos é optar pelo ocultismo, pelo ritualismo iniciático e pela magia… Optar pelos sinópticos, como Agostinho de Hipona ou Tomás de Aquino, é optar pela vocação universal à santidade, pela liturgia enquanto expressão do mistério e pela razoabilidade da fé… Eu não tenho dúvidas sobre qual das vias escolher!
Quando me preparo para publicar este texto, eis que recebo a notável homilia do Pe. Raineiro Cantalamessa, pronunciada na Basílica de S. Pedro, no Vaticano, no mesmo dia em que o Público nos brindava com as histórias alternativas de Jesus. É introduzidda por este oportuno texto de S. Paulo:
Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos. Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas. (2 Tim 4, 3-4)
O texto da homilia pode ser encontrado aqui.