22.5.08

Um livro amargo

Scott M. P Reid (Ed), A Bitter Trial - Evelyn Waugh and John Carmel Cardinal Heenan on the Liturgical Changes, The Saint Austin Press, Londres, 2000 (2ª Edição).
Why were we led out of the church of our childhood to find the church of our adoption assuming the very forms we disliked?
(Evelyn Waugh, cit. em A Bitter Trial, P 43)
Há uns quatro ou cinco anos, João Bénard da Costa escreveu um artigo relatando o seu desencanto com uma cerimónia litúrgica a que assistira. Ele, que nos anos 60 participara activamente nos movimentos que criticavam os arcaísmos da liturgia e que que acabara por romper com uma Igreja que lhe parecia presa à tradição, vinha agora lamentar que nessa cerimónia, em que participara por dever social, todas as orações tinham sido tão explicadas e os cantos tão normais que nenhum espaço sobrara para o sagrado, isto é, para uma consideração da dimensão misteriosa da fé.
Imaginemos agora uma situação inversa: a de quem, criado num ambiente protestante, passando pelo agnosticismo na juventude, se sente atraído pela liturgia e, a partir desta, se abre ao mistério que ela simboliza. E, de repente, a dimensão misteriosa da liturgia é retirada. Foi o que aconteceu com Evelyn Waugh nos últimos anos da sua vida, quando se sucediam reformas e experiências litúrgicas contínuas que viriam a cristalizar no Missal Romano de Paulo VI, publicado em 1969/70.
Waugh, mais que um conservador, era um tradicionalista. O fascínio que nutria pela vida dos aristocratas de entre-guerras ocupava um lugar de peso na sua argumentação conservadora. Por isso, na recolha da correspondência que trocou entre 1964 e 1967 com diversas figuras, em particular com o Cardeal John Heenan, Arcebispo de Westminster (reunida por Scott Reid em A Bitter Trial) não há propriamente nenhum argumento de peso contra a reforma da liturgia: Waugh lamenta o desaparecimento da ritualização, da formalidade, da solenidade aristocrática, da liturgia antiga. No entanto, por baixo da aparência superficial da sua argumentação, há uma vivência profunda de quem está a ver questionado aquilo pelo qual achou valer a pena mudar a existência: a liturgia romana fala de um mistério insondável, de um Deus feito Homem feito Pão que se celebra de modo adequadamente misterioso (e até secreto, no caso das liturgias de vários ritos orientais). Se se esvazia esse sentido do mistério, se se pretende tornar tudo inteligível (oh: o vernáculo!!!), se se abandonam rituais ancestralmente plenos de sentido (como ajoelhar durante o et incarnatus est), a Eucaristia deixa de ser identificada como Presença Real, e passa a simples recordação da vida de um Jesus cuja existência, no fim de contas, até pode ser posta em causa.
Mais interessantes, talvez, que as considerações de Waugh sobre a liturgia, porque se situam a montante dessas considerações, são duas ideias que o autor observa de modo muito crítico: uma delas é o risco de que uma vanguarda clerical se sobreponha ao sensus fidelium; a outra é a identificação dessa vanguarda como voz do laicado, reivindicando um sacerdócio comum que facilmente pode conduzir à redução do sacerdócio ministerial. Típicas apreensões conservadoras, as quais vieram a ser confirmadas pela realidade das décadas subsequentes.
Nas respostas a Waugh, bem como nas cartas pastorais, encontramos um Cardeal Heenan dividido: por um lado, está consciente dos aspectos positivos da reforma; por outro lado, receia o impacto das alterações, principalmente entre os católicos mais velhos e os conversos; sempre, mostra-se publicamente submisso ao magistério, sem com isso deixar de lutar nas sedes próprias para que os que quiserem possam celebrar no rito antigo. O aspecto mais significativo desta atitude é o contraste das cartas pastorais, em que anima os seus fiéis a conhecer e a viver a nova liturgia, com a vigorosa intervenção no Sínodo dos Bispos de 1967, em que alerta com força para os seus aspectos mais problemáticos.
Mais que uma apologia da Missa Tridentina, A Bitter Trial apresenta uma reflexão equilibrada sobre o valor e o significado da liturgia. E apresenta, ao mesmo tempo, o receio sobre as unintended consequences de uma reforma brusca. Como não ter em conta esta opinião quando ela se revela profética, como nas palavras que Heenan dirige ao Sínodo:
If we were to offer them [fathers of families and young men who come regularly to Mass] the kind of cerimony we saw yesterday in the Sistine Chapel (a demonstration of the Normative Mass) we would soon be left with a congregation of mostly women and children.
(Cardeal Heenan, cit. em A Bitter Trial, p. 70)

21.5.08

Qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência

Um dos problemas principais da dialéctica marxista é a leitura simplista da realidade que permite, leitura que, ao ser passada para um nível popular, se torna numa das maiores ameaças à liberdade: a vitimização que dela decorre abre as portas ao populismo. Infelizmente, este risco não é hipotético: depois de décadas de doutrinação, esta lógica deixou de estar circunscrita a uma parte reduzida da população e entrou na cultura. Nesse sentido, tornou-se realidade aquela ideia do PREC de que a influência social do PCP era muito maior que a sua influência eleitoral.
Considerações deste género não serão inéditas por estas paragens, mas voltaram-me à memória ao folhear os jornais atrasados da semana, quando me deparei com um artigo de opinião de José Vítor Malheiros (se não me engano, o mesmo que disse que em Portugal se lia pouco devido ao frio...).
Ora: este senhor disserta sobre o número de atropelamentos em Lisboa, e mostra-se chocado com o facto de 38% desses atropelamentos acontecerem em passadeiras de peões. Também a mim me choca, e concordo com ele na ideia de que esse número deveria ser 0%. Mas o número revela pouco porque, como o próprio autor indica, seria necessário saber quantos atravessamentos são feitos dentro e fora das passadeiras. Já agora, seria necessario garantir que todas as passadeiras estão bem localizadas, bem sinalizadas e respeitadas por terceiros (contentores de obras, estacionamento indevido, etc). E seria também interessante saber se os peões, ao atravessarem fora das passadeiras, estarão mais conscientes do risco, usando, assim, de maior cautela.
Como nada disto está ao alcance do autor, que tal criar uma teoria? Pois a teoria é a seguinte: há os automobilistas dominadores e os peões-que–atravessam-nas-passadeiras dominados... Os primeiros são maus, e nunca param nas passadeiras ou, se o fazem, é disfarçando o motivo; os segundos são vítimas que, cujos direitos são ignorados pelos dominadores. Mais difícil é a caracterização dos peões-que–atravessam-fora-das-passadeiras, que parecem ser respeitados pelos automobilistas pela audácia que revelam. Ainda estamos a meio do artigo e ficou já patente o delírio do autor: qualquer semelhança entre o a realidade ficou lá para trás, nos primeiros parágrafos, porque ela é muito pouco interessante, se comparada com uma boa teoria.
Fiquei pelo meio do artigo, pelo que não confirmei se, no final, não haveria um disclaimer como nos filmes, dizendo: esta é uma crónica de ficção e qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência.

11.5.08

Help!!!

Nunca conheceremos ao certo o número das vítimas do medo a sermos chamados conservadores.
Li esta frase (ou semelhante), como sendo de Orwell. Se alguém a conseguir localizar, avise, para poder citá-la com propriedade.

9.5.08

Sem comentários...

Uma "professora de História" introduz o tema sobre Revoluções Liberais com esta medíocre peça de propaganda:
Tempos de Revolução
Vida difícil
Era a do povo de então
Trabalhava, trabalhava
E nada ganhava
Pagava impostos
Prestava serviços
Entregava rendas
Aos seus patrões
Aos seus senhores
Não tinha direitos
Só tinha obrigações
Vivia na miséria
Dominado
Subjugado
Pelo clero, pela nobreza
Mas... novos ideais surgiram
Liberdade
Igualdade
Fraternidade
Defendiam os burgueses
Homens e Mulheres do Povo
Pela liberdade lutaram
Pela iberdade morreram
E os opressores venceram
Os Direitos do Homem
Triunfaram
("Poesia" de Natércia Crisanto, no manual Olhar a história 8, Porto Editora, de que é co-autora)

4.5.08

Estar nas tintas...

A propósito do estranho caso do homem austríaco que prendeu a filha durante 24 anos e do aniversário do desaparecimento de Madeleine McCann, Rod Liddle publicou, na Spectator, este interessante artigo sobre a relação dos pais com os filhos, que exprime as perplexidades de quem tem a seu cargo a educação das crianças.

we have been gripped this last year by reading, pretty much every day, what other parents do to their kids, either by accident or design. It has fascinated and appalled us in equal measure — at least in part because we are not sure what to do with them ourselves.

Num tempo em que a autoridade é olhada com suspeita e em que a menor chamada de atenção é vista como repressão, é necessário estar-se nas tintas para a moda para conseguir ser uma boa mãe ou um bom pai.

3.5.08

Novas Partidas

O sitemeter mostrou-me as frequentes visitas que me chegam do HETERONIMUS... Movido pela curiosidade, fui percorrendo os posts, e eis que me deparo com este relato muito próximo de uma situação vivida há uns meses. Achei graça ao facto, e remeti o blog de imediato para as Partidas das Catacumbas.
E já que estou numa de links, aqui vai, com atraso, a ligação ao Feno de Portugal.

2.5.08

Aborto e Contracepção

Passado mais de um ano sobre o referendo do aborto, surgem agora notícias interessantes (ou tristes, para ser mais correctos).

É o que se pode ler de uma entrevista na edição desta semana do "Comércio de Guimarães". http://www.guimaraesdigital.com/index.php?a=noticias&id=36109

Se dúvidas não tínhamos, antes, acerca deste risco, aí está a confirmação.