31.10.04

Três questões interessantes...

... enviadas por um amigo, acerca dos “temas do progresso” que levaram ao afastamento de Buttiglione:
O pretendido direito das mães decidirem prepotentemente sobre o direito à vida dos filhos é realmente um progresso ou, pelo contrário, um retrocesso ao tempo em que o pater-familias tinha o direito, que lhe era reconhecido por lei do Estado Romano, de reconhecer o filho recém-nascido, tomando-o nos braços, ou, se assim o entendesse, renegá-lo e decidir a sua morte?
Portugal esteve na linha da frente na luta contra a escravatura e a pena de morte ao arrepio da legislação europeia da época. Andar ao passo da Europa é sempre sinal de progresso e de civilização?
Pode a convivência mais ou menos duradoura entre dois homens ou duas mulheres, mesmo que envolva a prática de actos de natureza sexual, ser considerada matrimónio no sentido ético e social do termo?

Tolerância

Eis uma ideia de tolerância que me parece mais acertada que a da suposta neutralidade do Estado:
In the civil sphere, it may be necessary to tolerate certain unacceptable practices because the effort to suppress them would bring about greater evils. (Avery Cardinal Dulles, S.J.)

Buttilione nas catacumbas

Marcelo Rebelo de Sousa é um crítico do Governo, em particular do Primeiro Ministro. Rocco Buttiglione é um crítico da equiparação das uniões homossexuais ao casamento. Marcelo fala abertamente das suas convicções. Buttiglione não se coíbe de apresentar as suas. Marcelo é criticado por um ministro, devido a eventuais excessos nos seus comentários dominicais. Buttiglione é criticado por um grupo Parlamentares Europeus, devido a receios de eventuais excessos na sua acção como comissário.

Marcelo deixa o seu lugar de comentador devido a eventuais pressões. Buttiglione, pressionado, recusa a sua candidatura à Comissão Europeia.

Até aqui, nada de problemático. Mas quando começamos a ouvir as reacções, damos conta de que Marcelo é considerado vítima de censura; de Buttiglione diz-se que põe em risco a Comissão Europeia. Marcelo é uma vítima (olha logo quem!), mas Buttiglione, é referido como aquele que se fez de vítima…

Não seria um exercício desinteressante prolongar a comparação. No entanto, podemos chegar já à conclusão: Marcelo era o melhor agente da oposição ao governo de direita; Buttiglione era o melhor representante da direita na Comissão Europeia… Será necessário dizer mais alguma coisa?

30.10.04

Buttiglione

A origem do Catacumbas tem algo que ver com o caso de Buttiglione. Quando se assiste ao silenciamento de um católico por ser católico, só me pode vir à cabeça o cristianismo das catacumbas.

Anda o país ainda aturdido porque um suposto complot político-económico tenta censurar Marcelo e o mesmo país presta um ámen rendido à censura de Buttiglione! É a tradicional diferença de pesos e medidas na avaliação de amigos (sinceros ou de conveniência, como se tornou Marcelo para a oposição) e de adversários… Nada que não estivessemos à espera, infelizmente!

Já voltaremos ao assunto

As Catacumbas II

As catacumbas eram o nome que nós dávamos à parte antiga da escola em que andei. Eram uma série de corredores e escadarias estreitas, no edifício de um antigo colégio. Ali, tudo contrastava com a repetição modular dos edifícios novos: nas catacumbas, cada corredor era diferente; as escadas não se repetiam; num andar, havia um átrio enorme; noutro, uma série de pequenos cubículos; cada sala tinha um pé-direito diferente; e as janelas eram altas e estreitas. Como nós éramos pequenos, não chagávamos às janelas, e tudo nos parecia mais subterrâneo; e a altura dos corredores dava-lhe um ar de estreitas galerias.

Quando, esta manhã, ocorreu o nome, não me lembrei das catacumbas da escola. Só agora as recordei, e recordei como a nossa imaginação – ninguém fora a Roma – correspondia tão bem à realidade que, há alguns anos atrás, tive a ocasião de visitar.

As catacumbas eram o meu lugar preferido da escola (também isto não me ocorreu de manhã). Porque aí, longe da monotonia modular dos edifícios novos, cada um encontrava o seu lugar!

As Catacumbas

As catacumbas são locais míticos da história cristã! Talvez as hagiografias tenham exagerado um pouco o seu papel, mas elas subsistem como monumento ao heroísmo daqueles que souberam valorizar aquilo em que acreditavam sobre o conformismo de uma sociedade que, a par das suas numerosas virtudes cívicas, cultivava práticas profundamente desumanas.
Nas catacumbas dá-se o crescimento, subterrâneo, da árvore que acolheu à sua sombra a humanidade ao longo de mil e quinhentos anos. Já tentaram cortá-la, queimá-la, destruí-la de diversos modos. Mas ela resiste com a força sobrenatural, com a força que lhe vem da semente, com a vida que lhe vem do sangue dos mártires!
Agora, sendo impossível aniquilá-la, decidiram tapá-la, cobri-la para que não se vejam os seus frutos. Mas são esses frutos que continuam a alimentar a humanidade, a sustentar os pobres, os fracos, os oprimidos, as vítimas de todas as violências...
A árvore, tapada, está como a semente nas catacumbas! Há que trabalhar silenciosamente para que, continuando a crescer – com a força que lhe vem da semente, com a vida que lhe vem do sangue dos mártires – os seus ramos consigam ultrapassar os limites que lhe puseram, e volte a apresentar-se, viçosa, à humanidade: e as aves do céu farão nela os seus ninhos! E os animais da terra encontrar-se-ão, novamente, sob a protecção da sua sombra.