30.10.02006
Há já dois anos que estas Catacumbas viram a luz! E não estou a dizê-lo por acaso. Apesar de as Catacumbas serem espaços subterrâneos, elas só podem ser visitadas com uma luz que ilumina os seus nichos e capelas. Caso contrário, seriam perigosíssimas armadilhas.
Há dois anos, um facto político (o veto do Parlamento Europeu à inclusão de Rocco Butiglione na Comissão Europeia) tornou evidente que persistiam na Europa sinais de uma cultura anticristã. Alguns zombaram quando determinados autores ingleses e americanos falaram em cristofobia europeia. Só que os anos seguintes foram pródigos em acontecimentos que realçaram a existência de tal fenómeno. Uns mais caricatos (como a suspensão da trabalhadora da Bristish Airways que usava um crucifixo ao pescoço), outros mais graves (como a retórica anticlerical a que se permitiram governos como o espanhol ou o belga ou as directivas laicas da União Europeia), mas todos contrastantes com a retórica da liberdade que semeia os discursos políticos.
O anti cristianismo europeu é um resultado curioso daquilo a que Rawls, em Political Liberalism, denominou como consenso de sobreposição: para Rawls, nas sociedades coexistem doutrinas abrangentes, as quais têm pontos de encontro e pontos de confronto. Os pontos de encontro sobrepõem-se, permitindo criar um consenso em torno a aspectos básicos de gestão da coisa pública. O que Rawls não teve em conta é que, inevitavelmente, os pontos de sobreposição entre as diversas doutrinas abrangentes iriam erigir-se, eles próprios, em doutrina abrangente, excluindo a restantes doutrinas. O resultado é uma procedural republic, isto é, uma sociedade em que a moralidade não está relacionada com as coisas, mas com os procedimentos. Um exemplo do resultado deste modo de pensar é apresentado por Amy Guttman (uma rawlsiana que aplicou o consenso de sobreposição às questões educativas) que defende que a educação democrática é aquela que dá poder aos cidadãos para tomar qualquer decisão sobre o currículo, salvaguardados os princípios de não-repressão e de não-discriminação. A autora concluía deste modo: um tal sistema permite tomadas de decisão justas, mesmo que não sejam correctas. Este é o resultado do consenso de sobreposição: a dissociação entre a verdade e o bem; por outras palavras: o relativismo moral.
Contra este estado de coisas, já ouvi afirmar que os cristãos deviam fazer como os radicais islâmicos e iniciar ataques terroristas contra as instituições que os ameaçam: assim, pelo medo, talvez conseguissem ver respeitados os seus direitos…
Obviamente que não partilho tal opinião, apesar de achar que (a avliar pela experiência dos referidos radicais) ela tinha grandes hipóteses de sucesso. Só que há uma vinculação entre a moral e a verdade que coloca limites ao mal! E essa relação é descoberta pela razão. Por isso disse que as Catacumbas viram a luz: o mistério imperscrutável de Deus é acessível ao homem pela iluminação da Razão; entrar no mistério de Deus sem a Razão é perder-se no labirinto insondável desse mistério.
As Catacumbas têm sido uma tentativa de compreensão do mistério do Homem num diálogo entre a Fé e a Razão. Se o tempo o permitir, continuarão a sê-lo.