O Que Verdadeiramente Preocupa…
O que verdadeiramente se me afigura como fruto preocupante dos resultados eleitorais do passado Domingo é a continuidade, nos próximos anos, do descentramento do debate político e ideológico em Portugal.
Aponte-se o dedo à direita fraca, aos anos do fascismo, à comunicação social… Mas não duvido de que um dos maiores dramas de Portugal é o facto de, realmente, não se debaterem ideias em nome da procura de consensos impossíveis! Nós somos uma sociedade polarizada há 200 anos, dizia Rui Ramos na entrevista ao Público que referi há algumas semanas atrás. E há que assumir essa polarização sob pena de continuar a deixar pender a balança para a radicalização socio-política!
Creio que foi Orwell que escreveu que nunca conheceremos ao certo o número das vítimas do medo a sermos chamados conservadores! Dizia-o em tom de crítica a todos aqueles que, discordando de Estaline, se recusavam a contradizê-lo por receio a serem chamados contra-revolucionários.
A frase é fantástica: tememos ser chamados conservadores ou reaccionários! Talvez seja esse temor que leva responsáveis políticos ou dignitários eclesiásticos a tergiversarem quando se abordam temas que possam chocar a opinião pública. Esse temor não é, no entanto, inconsequente: ele tem vítimas que estão à vista nos casos extremos do aborto, da eutanásia, da manipulação genética. Só que a estes extremos não se chegou num ápice: uns poucos de colaboracionismos, alguns silêncios e muito comodismo permitiram que deixássemos que a atenção geral fosse voltada para problemas irrelevantes. Hoje mesmo, nas páginas dos mesmos jornais em que se incluem as queixas maternas do estilo “não gosto de ti!” na categoria de violência doméstica, encontramos o apelo à liberalização do aborto ou ao fim do divórcio litigioso... pelos mesmos agentes.
O que verdadeiramente se me afigura como fruto preocupante dos resultados eleitorais do passado Domingo é que continuaremos a discutir aborto às 12 ou às 24 semanas em vez de discutirmos o aborto; continuaremos a discutir a qualidade da escola pública sem discutir a liberdade de educação; continuaremos a queixar-nos do imobilismo da sociedade civil sem discutir a acção avassaladora do Estado em todas as áreas da convivência; continuaremos a discutir o modo de chegar a consensos sem nos darmos conta de que só poderemos chegar a compromissos!