24.2.05

O Que Verdadeiramente Preocupa…

O que verdadeiramente se me afigura como fruto preocupante dos resultados eleitorais do passado Domingo é a continuidade, nos próximos anos, do descentramento do debate político e ideológico em Portugal.
Aponte-se o dedo à direita fraca, aos anos do fascismo, à comunicação social… Mas não duvido de que um dos maiores dramas de Portugal é o facto de, realmente, não se debaterem ideias em nome da procura de consensos impossíveis! Nós somos uma sociedade polarizada há 200 anos, dizia Rui Ramos na entrevista ao Público que referi há algumas semanas atrás. E há que assumir essa polarização sob pena de continuar a deixar pender a balança para a radicalização socio-política!
Creio que foi Orwell que escreveu que nunca conheceremos ao certo o número das vítimas do medo a sermos chamados conservadores! Dizia-o em tom de crítica a todos aqueles que, discordando de Estaline, se recusavam a contradizê-lo por receio a serem chamados contra-revolucionários.
A frase é fantástica: tememos ser chamados conservadores ou reaccionários! Talvez seja esse temor que leva responsáveis políticos ou dignitários eclesiásticos a tergiversarem quando se abordam temas que possam chocar a opinião pública. Esse temor não é, no entanto, inconsequente: ele tem vítimas que estão à vista nos casos extremos do aborto, da eutanásia, da manipulação genética. Só que a estes extremos não se chegou num ápice: uns poucos de colaboracionismos, alguns silêncios e muito comodismo permitiram que deixássemos que a atenção geral fosse voltada para problemas irrelevantes. Hoje mesmo, nas páginas dos mesmos jornais em que se incluem as queixas maternas do estilo “não gosto de ti!” na categoria de violência doméstica, encontramos o apelo à liberalização do aborto ou ao fim do divórcio litigioso... pelos mesmos agentes.
O que verdadeiramente se me afigura como fruto preocupante dos resultados eleitorais do passado Domingo é que continuaremos a discutir aborto às 12 ou às 24 semanas em vez de discutirmos o aborto; continuaremos a discutir a qualidade da escola pública sem discutir a liberdade de educação; continuaremos a queixar-nos do imobilismo da sociedade civil sem discutir a acção avassaladora do Estado em todas as áreas da convivência; continuaremos a discutir o modo de chegar a consensos sem nos darmos conta de que só poderemos chegar a compromissos!

23.2.05

As Vanguardas e as Freiras

O RGG relembrou, num comentário ao post do Sebastião sobre a Irmã Lúcia, as referências da esquerda vanguardista ao sequestro e enclausuramentoda vidente de Fátima pelos bispos.
Ocorreram-me os boatos semelhantes sobre freiras quando outras vanguardas tentaram exclaustrar Portugal em 1834 e 1910. Será que o passo seguinte é expulsar os jesuítas e proibir os trajes talares?

País Proletário

Freitas do Amaral (o mesmo que agora se apresenta como provável ministro do governo da esquerda) contou numa ocasião uma história interessante: Franco passeava com um dos seus ministros quando lhe disse: “Pensa que o grande monumento que deixo à Espanha é o Vale dos Caídos? Pois engana-se: o meu legado é a classe média! Será ela que permitirá a transição pacífica da Espanha para a democracia!”
Num texto académico da semana passada contava este episódio, e terminava pensando nos riscos da proletarização da classe média portuguesa! Os meus piores temores confirmaram-se no passado Domingo, quando, ao mesmo tempo que 45% dos portugueses davam a maioria absoluta a um partido de esquerda, sobram ainda 15% para votar na extrema-esquerda.
Significa que, afinal, temos um país proletário, sem dinheiro no bolso e que, pouco instruído, acorre a qualquer lenga-lenga baratinha de quem promete subsídios, abolição das propinas, auto-estradas gratuitas, fim de taxas moderadoras nos hospitais, etc. Nem se dão conta de que estão a votar nos mesmos que defendem a tributação crescente das poupanças, os impostos ainda mais progressivos, o engrossar do Estado com consequente aumento de impostos… São proletários: sem dinheiro e desqualificados, presas de qualquer populismo… de esquerda ou de direita!

17.2.05

A Irmã Lúcia: Figura Nacional!

Não deixou de ser interessante ouvir os comentários à roda do falecimento da Irmã Maria Lúcia de Jesus do Imaculado Coração, a última vidente de Fátima. Devo dizer que de uma maneira geral gostei do que ouvi. Doutos ou menos doutos estavam ali movidos e comovidos pelo afecto e pelo respeito que lhes merecia a Irmã Lúcia e a Mensagem que, desde tenra idade, fora incumbida de transmitir. Fê-lo com a tenacidade e com a delicadeza habitual de uma pastorinha que se sente responsável por levar as ovelhas, neste caso a mensagem da Senhora, em segurança, para o redil.

Não me surpreenderam os poucos comentários menos próprios que ouvi. Fazem parte do estilo de quem os emitiu. Surpreenderam-me, isso sim, as palavras de um conhecido comentador, cujo nome omito por respeito, num dos Jornais Televisivos da noite. Discordava ele de que tivesse sido decretado luto nacional e de que alguns Partidos tivessem suspendido ou moderado acções de campanha, entre outros motivos porque a campanha eleitoral existia porque era necessária para que os eleitores votassem em consciência, os portugueses tinham direito a serem esclarecidos e, afirmava com ênfase, a Irmã Lúcia não era uma figura nacional porque tinha passado grande parte da sua vida no convento e a rezar sem ter feito nada de especial.

Eis os motivos porque eu discordo: Antes de mais porque entendo que existem situações em que as pessoas são esclarecidas mais com o exemplo do que com muito palavreado; depois, porque considero a Irmã Lúcia uma figura nacional de pleno direito. Com efeito, embora tenha vivido a maior parte da sua vida no convento não deixou de ser uma pessoa atenta aos acontecimentos seus contemporâneos e até o computador e a Internet lhe eram familiares; aconselhou e animou, pela palavra e pela escrita, inúmeras pessoas que a ela recorriam; os seus escritos são lidos, relidos e meditados, por um número de leitores superior ao de qualquer Prémio Nobel da Literatura; encontrou-se, quando necessário e oportuno, com altas figuras do mundo eclesiástico e civil; a mensagem que difundiu influenciou decisivamente as duas últimas décadas do século passado; sem desdouro para ninguém, sem sair do convento, tornou Fátima e, consequentemente, Portugal mais conhecidos em todo o Mundo do que o fizeram Amália ou o Benfica…

Por menos, alguns tiveram lugar no Panteão Nacional. E poderia de pleno direito ser lá sepultada se não tivesse por direito próprios dois lugares mais adequados: a campa rasa do convento das Carmelitas em Coimbra e a sepultura, lado a lado com a Beata Jacinta, na Basílica de Fátima.

11.2.05

A Resignação do Papa

Ultimamente, vários comentadores, mostraram preocupação pela saúde do Papa, e levaram o seu zelo a tal ponto que aconselharam os amigos que o rodeiam a que o ajudassem a tomar a decisão de resignar em nome dos direitos humanos do doente.
Parece natural que esta preocupação fosse apenas dos católicos praticantes; dos que o reconhecem, veneram e amam como vigário de Cristo e Seu representante na Terra; dos que apesar das suas fraquezas se esforçam por levar à prática na vida diária os ensinamentos de Jesus iluminados pelo Magistério da Igreja; pelos que, não sendo católicos, o respeitam e veneram como campeão da paz, da justiça, da liberdade, dos direitos humanos, dos princípios éticos…; dos que sendo de outras religiões também rezam por ele, em união com os católicos…
Mas não. Esses comentadores comentam, dão duas na ferradura e uma no cravo, sugerem, fazem prognósticos, insinuam datas e estratégias, são os primeiros a não respeitar os direitos humanos do doente. Não levam em conta, que a Igreja Católica se rege, apesar dos pesares, por regras que não são especificamente humanas e que um não crente dificilmente compreenderá. Há 2000 anos que a Igreja Católica mais do que pelo Papa é governada pelo Espírito Santo.
O que escandaliza alguns é a percepção de que o Papa, escarnecido pela sua fidelidade à doutrina que Jesus confiou aos Apóstolos e aos seus sucessores para sempre; flagelado por um brutal atentado e suas consequências; coroado de espinhos pelo mau uso que muitos fazem da inteligência, que, pela soberba de uns e o comodismo de outros, corre o risco de subverter a Criação; identificado plenamente com Cristo, está crucificado com Ele.
Tal como ao Mestre lhe gritam: “desce da Cruz”. Tal como o Mestre, “calado, como a ovelha que levam ao matadouro” ele bebe o cálice que, por vontade do Pai, lhe foi confiado.
Pode acontecer que ao Papa Deus peça ainda o sacrifício de ter de abandonar o cargo em vida. Não duvido que, se for o caso o fará com o garbo e a dignidade a que sempre nos habituou.
Mas acredito que Deus, que é Pai Todo-Poderoso, no momento oportuno lhe dirá: “Vem servo bom e fiel! Porque foste fiel no pouco…entra no gozo do teu Senhor”.

7.2.05

O que eles querem...

Acontece em algumas regiões do Minho e da Beira que a igreja paroquial e o cemitério se encontram no cruzamento em que convergem as estradas das diversas aldeias que constituem a freguesia.
Numa dessas freguesias, a Igreja apoiou, há muitos anos, a construção de um campo de futebol. Mais tarde, terrenos do antigo passal da igreja foram oferecidos para a construção da sede da Junta de Freguesia e da creche. Alguns anos depois, foi também edificado um monumento ao Imaculado Coração de Maria. Nas festas dessa freguesia, a procissão segue um percurso tradicional: sai da igreja, desce 50 metros até à capela de Sta. Luzia, sobe 100 metros até ao monumento ao Imaculado Coração de Maria (em frente à Junta de Freguesia) e volta a descer 50 metros, para regressar à Igreja. Isto sucede, pelo menos, há dezenas de anos.
O orago da freguesia em questão é S. Pedro, comemorado a 29 de Junho. Se esse dia não for Domingo, a festa é transferida para o Domingo mais próximo. Foi o que aconteceu em 28 de Junho de 1998. Só que nesse dia referendava-se a liberalização do aborto. O Pároco, com grande sensatez, decidiu alterar um pouco a tradicional procissão: o andor de S. Pedro e os paroquianos desceram os 50 metros entre a igreja e a Sta. Luzia e regressaram à igreja, evitando a Junta de Freguesia. Desse modo, não se poderia dizer que a Igreja tinha procurado condicionar o acto eleitoral, nem se podia afirmar que fizera campanha em frente às mesas de voto no dia das eleições. Durante a procissão, um dos vogais da junta, que é o chefe do coro e toca o órgão na igreja, entoou a música que, também habitualmente, se canta nessas procissões: Queremos Deus. Trata-se de uma música mundialmente difundida pela Acção Católica sobre a importância da liberdade de expressão religiosa.
Imaginemos agora que um jornalista incauto se deparava com o fenómeno: é fácil imaginar um título: Igreja viola lei eleitoral; no lead da notícia ficaríamos a saber que a Igreja pressionou os eleitores com manifestação junto às mesas de voto; e se a fúria contra este desrespeito da democracia nos não impedisse de continuar a ler o resto, ainda veríamos as referências aos cânticos contra as leis injustas e imorais.
Ridículo, talvez. Mas foi isto que aconteceu com as palavras do P. Lereno que, no Domingo passado, tanta celeuma causaram. Como acontece com frequência, o P. Lereno repetiu a doutrina da Igreja sobre a actuação política dos católicos. Logo, os tolerantes da extrema-esquerda, defensores de todas as minorias, vieram levantar objecções à liberdade de expressão dos católicos: a Igreja não deveria intervir na campanha; o P. Lereno não representa a Igreja; os católicos não devem deixar-se orientar por tais opiniões.
É curioso como, de repente, os fiéis da cartilha marxista se tornaram experts em eclesiologia: eles, como boa vanguarda, sabem melhor que qualquer outro o que a Igreja deve pensar; sabem o que o P. Lereno deve ou não dizer, bem como o Papa ou o Cardeal Patriarca. Eles sabem tudo: caso contrário, não seriam fiéis agentes do sentido imparável da história revolucionária.
É interessante notar como factos triviais (Portas a falar sobre o aborto ou a homilia dominical de um pároco lisboeta) tornam tão evidente o estalinismo latente nos discursos do PCP e do BE. Não nos enganemos nem um milímetro: eles são assim! Eles, que se queixam do apelo do P. Lereno a que os católicos não votem em partidos cujos programas sejam contrários à doutrina cristã, não hesitaram em queimar a efígie do Papa diante da Assembleia da República nas manifestações pela liberalização do aborto; desse modo misturam a religião e a política para, depois, acusarem os católicos de misturarem política e religião. Eles continuam, como no século XIX, a difundir uma ideia dos católicos como uma sub-espécie acabrunhada de supersticiosos; para que os católicos se sintam como uma sub-espécie acabrunhada de supersticiosos. Eles exigem o direito ao reconhecimento para todos: gays, lésbicas, bi e transexuais, vegetarianos, ba’haistas, muçulmanos, animistas e tudo quanto cheire aos carnavais da alter-globalização… excepto para os católicos!
Eles querem, no fundo, que regressemos às catacumbas, para lhes deixar o campo aberto à construção do seu Homem Novo… Mas isso não acontecerá, pelo menos enquanto houver quem tenha a coragem de denunciar publicamente as suas intenções, como o P. Lereno!

Rui Ramos no Público: vale a pena ler

(...) outra coisa que tem bloqueado a sociedade portuguesa: a ideia de que temos de caminhar todos no mesmo sentido e ter um consenso em relação aos fins. Nós somos uma sociedade polarizada há 200 anos, não deixámos de ser agora. Temos de ter vários projectos políticos que, respeitando o sistema representativo, devem poder governar sem a outra parte temer que nessa altura desaparece.
Rui Ramos