27.11.05
(Enquanto se não proíbem as cruzes nos blogs)
Caspar Friedrich, Das Kreuz im Gebirge (pormenor do Teschner Altar)
A cruz e o beijo...
Numa escola de Gaia, duas raparigas são chamadas ao Conselho Executivo por se beijarem em público. Logo correm comentários a defender as vítimas da intolerância homofóbica, erguendo as criaturas em heroínas da causa LGBT. Às vítimas deveria ser reconhecido o direito ao amor, e o Estado (neste caso representado pelos seus funcionários) não deveria interferir nas repercussões públicas das questões do foro individual, como a sexualidade.
Mas há outras questões do foro individual que têm repercussões públicas. No caso das manifestações religiosas, muitos dos que defenderem a beijoca das moças, exigem a retirada dos crucifixos.
Importa-me pouco argumentar sobre os dois casos, porque o que me parece absurdo é que, depois de tanto elogio da consciência, acabem por ser os burocratas a ter a última palavra. Neste sentido recomendo a leitura deste post, do André Azevedo Alves, e a deste outro, do Rodrigo Adão da Fonseca (este último no seu novo Blue Lounge, que a partir de hoje figura nas partidas das Catacumbas).
À espera...
Oh! Se rasgásseis os céus, se descêsseis para fazer desabar diante de vós as montanhas, como o fogo faz fundir a cera, como a chama faz evaporar a água! Assim faríeis conhecer aos vossos adversários quem sois, e as nações tremeriam diante de vós, vendo-vos executar prodígios inesperados dos quais nunca se tinha ouvido falar.(Isaías 64, 1-3)
20.11.05
A França para além da demografia
Num artigo publicado no Diário Económico, Rui Ramos descreve os tumultos das últimas semanas em França como mais uma crise dinástica do velho gaullismo : tal como o Maio de 68 se poderia resumir, politicamente, à luta de poder entre De Gaulle e Pompidou, também a recente agitação na banlieu parisiense se poderia resumir, politicamente, à luta entre Chirac/Villepin e Sarkozy. Confesso que me apetece subscrever tal teoria. Não tanto por concordar com ela, mas por desejar que ela seja verdadeira. Se assim for, podemos concluir calmamente, comom Rui Ramos: Se tudo correr bem, dentro de uns anos, o herdeiro do Presidente Sarkozy há-de voltar a contar com a mocidade dos “banlieues” para fazer valer os seus direitos à sucessão.
O que me leva a discordar de Rui Ramos é o se tudo correr bem, porque penso que nada está a correr bem em França, um país que os dogmas do Estado Social tornaram ingovernável.
O primeiro problema é de ordem filosófica: a França aspira ao paraíso na terra. Quem não aspira? Também os teóricos do neoliberalismo dirão que o mercado é a melhor solução para a resolução dos problemas da humanidade. Nenhum tem razão! No entanto, os teóricos liberais enfatizaram a ideia de que uma sociedade menos centralizada seria mais rápida na resposta às necessidades dos indivíduos, enquanto um estado centralizador falharia no processamento da informação, por não receber o feedback negativo dos agentes. Este é, para mim (a par da estabilidade das sociedades do Reino Unido e dos EUA), o aspecto mais convincente dos argumentos liberais. A generalidade dos países que, na sequência das revoluções liberais, adoptaram o modelo de estado francês, adoptaram a herança de pensadores como Rousseau ou Voltaire, para os quais toda a verdade sobre o homem tinha sido escondida pela religião, bastando a luz da razão para garantir a felicidade humana. Só que essa razão estava debilitada pela sua arrogância: uma razão tão potente não se compadece com uma verdade que é, como diziam os escolásticos, adequatio rei et intellectus, na qual o intelecto podia falhar. Para a Raison, a verdade é automática, acessível aos iluminados. Por isso é que, apesar de todas as tiranias da história, o século XX foi o mais sangrento de todos os tempos: porque milhões se opunham à luz libertadora da razão dialéctica e ao triunfo da vontade dos melhores.
Em menor escala, obviamente, continuamos a viver o mesmo problema: aspiramos ao paraíso na terra esquecidos de que ele é inacessível, de que a concupiscência empurra o homem para o pecado (sobre o que entendo como pecado, já escrevi aqui há quase um ano).
Os restantes problemas franceses decorrem deste primeiro. A crise demográfica (de que se falou aqui) é outro aspecto do paraíso na terra, bem como toda a aspiração do Estado Social que é, evidentemente, ineficaz.
Por tudo isto, creio que Rui Ramos não tem razão: os distúrbios cíclicos da França têm significado mais do mesmo. Mas os recentes distúrbios, apesar de não serem a revolução islâmica que alguns apontaram no início, mostraram que, dentro de trinta anos, os revoltosos de agora não serão intelectuais de esquerda aburguesados, mas islamitas radicais maioritários em alguns departamentos que vão reclamar a sharia. Talvez na altura lhes tentem explicar o conceito de Estado de Direito… como hoje se pode tentar explicar a um iraniano ou a um saudita!
18.11.05
Mea Culpa
Há alguns dias reflecti neste post acerca dos jornalistas que escrevem sobre religião nos nossos jornais: a indistinção entre a notícia e a opinião é gritante. Às vezes acontece, no entanto, que, talvez por falta de tempo, se editam menos as fontes e, consequentente, se adulteram menos os factos.
Seja qual for o motivo, apenas serve para abrandar a minha crítica: no Público de ontem, António Marujo assinou três notícias bastante razoáveis!
Crueldade
Enquanto vou a pé para casa (ainda por cima esqueci-me do guarda chuva) elas enviam a seguinte mensagem:
Bon voyage!
Il fait du soliei ici. Estamos a jantar num barco em passeio no Sena. Esta cidade é linda!
17.11.05
It’s the demography, stupid
M. de Villepin’s prescribed course of treatment is to inject the patient with a stronger dose of the disease. When you’ve got estranged demographic groups with 50–60 per cent unemployment and an over-regulated economy that restricts social mobility, lavish welfare is nothing more than government-subsidised festering. That doesn’t seem a smart move. [...]Now go back to that bland statistic you hear a lot these days: ‘about 10 per cent of France’s population is Muslim’. Give or take a million here, a million there, that’s broadly correct, as far as it goes. But the population spread isn’t even. And when it comes to those living in France aged 20 and under, about 30 per cent are said to be Muslim and in the major urban centres about 45 per cent. If it came down to street-by-street fighting, as Michel Gurfinkiel, the editor of Valeurs Actuelles, points out, ‘the combatant ratio in any ethnic war may thus be one to one’ — already, right now, in 2005. It is not necessary, incidentally, for Islam to become a statistical majority in order to function as one. At the height of its power in the 8th century, the ‘Islamic world’ stretched from Spain to India, yet its population was only minority Muslim. Nonetheless, by 2010, more elderly white Catholic ethnic frogs will have croaked and more fit healthy Muslim youths will be hitting the streets. One day they’ll even be on the beach at St Trop, and if you and your infidel whore happen to be lying there wearing nothing but two coats of Ambre Solaire when they show up, you better hope that the BBC and CNN are right about there being no religio-ethno-cultural component to their ‘grievances’.(Mark Steyn, The Spectator, 12.11.2005)
15.11.05
Presidenciais
Saramago ameaça não participar em actos públicos se Cavaco for eleito. Direi apenas que é mais uma boa razão para votar em Cavaco Silva!
14.11.05
Peixinhos Vermelhos
O Sebastião comentou este post sobre o ICNE (e a abordagem pouco católica que dele foi feita pelo jornalista do Expresso) do seguinte modo:
O texto de Mário Robalo trouxe-me à memória estas recordações da infância e adolescência. Talvez porque M. Robalo me faça lembrar um peixe vermelho, caído por engano, numa pia de água benta.
Parece não ser o único: no Público, António Marujo avalia o ICNE pela bitola de Ana Vicente, que pertence aquela minoria irrelevante de católicos que se reclama Nós Somos Igreja...
13.11.05
Nós somos Igreja!!!
O Expresso de ontem apresenta uma artigo do inefável Mário Robalo sobre o ICNE: quem quiser saber o que isso é deverá mesmo clicar no link, porque a leitura do jornal nada adianta: não ficamos a saber o que disseram os responsáveis de algumas das mais importantes dioceses europeias; não se sabe o que disseram os leigos dessas dioceses; não se fala dos testemunhos admiráveis sobre espiritualidade e acção caritativa que ali foram apresentados... Num artigo sobre o ICNE só se fala daquilo que ele não foi. Ficamos a saber que o Congresso da Nova Evangelização não acolhe unanimidade: o bispo do costume e o único teólogo que o jornalista conhece acham que o tema da pobreza foi esquecido, bla, bla, bla. Quanto ao bispo em questão, já sabemos, por anos da experiência, que ele diz sempre o contrário da maioria e que só quando a maioria estiver enganada é que ele acerta (coisa que, felizmente, raras vezes acontece).
Mas o mais grave é que a verdadeira teologia do laicado nunca consegue ser apresentada, substituída por frases feitas (ao estilo do populismo do Bloco de Esquerda) que pretendem perpetuar a fantasiosa divisão da igreja numa igreja hierárquica (que seria o Sheriff de Nothingham) e uma igreja carismática (que seria o Robin dos Bosques)!
Já não me lembro onde, li um texto em que Pedro Mexia parafraseava um célebre dito de S. Paulo: Se Cristo não ressuscitou, a Igreja é mais uma ONG! Por onde andaram os carismáticos durante os últimos anos? Já visitaram as Irmãs da Caridade de Chelas (aquelas que passaram a rezar mais porque eram poucas para o gigantesco trabalho que lhes era exigido pelos pobres de Calcutá, e cuja oração foi recompensada por uma onda de vocações tão grande que lhes permitiu auxiliar não apenas os pobres da índia, mas de tantos outros países)? Já visitaram o trabalho de realojamento e intervenção social que a Paróquia do Campo Grande, em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, desenvolveu para o bairro das murtas? Sabem que há milhares de empresários católicos que se esforçam por dinamizar as suas empresas de modo a poder assegurar aos seus funcionários os ordenados justos? Sabem que um cristão, a fazer bem o seu trabalho (coisa que só é possível com a graça que lhe vem por uma vida de piedade intensa) cristianiza o mundo e as instituições sociais de modo muito mais eficaz que com megafones, distintivos e insígnias? Ou preferem continuar na utopia e pensar que as teorias do cristianismo social e dos padres-operários dos anos 50 mudarão o mundo?
É pena que depois apareçam, nas celebrações dominicais, a criticar a Congregação das Causas dos Santos por processos como os da Madre Teresa, do Padre Pio ou de Josemaria Escrivá; a dizer aos fiéis que não vale a pena visitar as relíquias de Santa Teresinha ou acompanhar a procissão de Nossa Senhora de Fátima...
Os números são a resposta adequada: ontem, mais de meio milhão de pessoa rezou em conjunto nas ruas de Lisboa... Quantas mais não seriam se os teóricos da pastoral teorizassem menos e rezassem mais?
Esclarecimento...
O facto de ter comparado o que se tem pasado em França ao que se passou na Louisiana não pode ser interpretado, de nenhum modo, como qualquer afirmação de superioridade do modelo social dos EUA (ao contrário do que supuseram alguns dos que por aqui passaram). Só se pode concluír que, em França e nos EUA, houve falhas, e graves. No entanto, a agitação parisiense deveria abalar muito mais o modelo social europeu do que um furacão deveria abalar o dos EUA! Porque nos EUA, foram os diques que cederam à manifestação da violência da natureza; e na Europa, bastou uma perseguição policial para manifestar a violência da natureza humana...