18.4.07

Foi descoberto o túmulo de Jesus!

... há 2000 anos, na tarde de Sexta-feira Santa, próximo do Monte Calvário (Jerusalém), por José de Arimateia e Nicodemos! Desde então, tem sido um dos principais centros de peregrinação dos cristãos!
Alguém consegue explicar isto aos senhores da televisão?

5.4.07

O megafone de Deus (IV)

O que ainda há poucos dias era uma novidade tornou-se agora uma rotina! Nos primeiros dias demorámos quase uma hora a dar as refeições; agora, pouco mais de meia hora chega. Como o tempo melhorou há muito menos tempos mortos: cada pedacinho é aproveitado para ir para o pátio apanhar sol ou para dar um passeio maior pelas ruas em torno do centro. Como também já estamos mais à vontade, já conseguimos ter mais iniciativas: arranjar uma porta que não fecha bem, limpar janelas de acesso mais difícil, compor uma fechadura ou colocar quadros na parede.
Além disso, hoje é quinta-feira Santa, e o sacerdote que nos tem acompanhado nestes dias disponibilizou-se a celebrar a Missa na capela do centro, não apenas para os voluntários, mas para a comunidade de religiosas que aqui mora, para as funcionárias e para os utentes do centro. A tradicional cerimónia do “lava-pés”, que se realiza na Missa deste dia, foi dispensada com a consideração de que neste local, o quotidiano é já encarnação do Mandamento Novo de Jesus:

ut diligatis invicem sicut dilexi vos.

(Jo. 15, 13)

É algo que não referi ainda, mas que é de justiça reconhecer: este centro é fruto do empenho caritativo de muitos cristãos que, com o seu trabalho ou a sua esmola, o colocaram de pé. Apesar de o centro ser sustentado, na sua maioria, por contribuições da Segurança Social ou dos familiares dos utentes, as receitas seriam sempre insuficientes para fazer frente aos elevados encargos que tem se não houvesse contribuições generosas de benfeitores que, de acordo com as suas possibilidades, vão ajudando no que é necessário. Para se ter uma ideia, há cadeiras de rodas que rondam os €5.000,00… e não se trata de um luxo, mas de uma necessidade quer dos utentes quer dos funcionários que com eles lidam diariamente. E quem fala em cadeiras de rodas fala em macas, sondas, camas articuladas…
Mas mais extraordinário que a contribuição para o centro é o trabalho dedicado de quem, diariamente, enfrenta este “choque de realidade”… Hoje tivemos a visita de uma jornalista que vinha fazer um trabalho sobre o centro. Uma das pessoas da Direcção animou-a a falar do trabalho que aqui se faz na perspectiva dos voluntários. Nós aceitámos (disso falarei noutro dia), mas não sem achar injusto: não é heróico vir para aqui cinco dias … é heróico permanecer aqui ano após ano.

4.4.07

O Megafone de Deus (III)

Ao terceiro dia já nos sentimos experts ao lidar com estas pessoas! As próprias empregadas do centro, que no início temiam a nossa inexperiência, começaram já a confiar um pouco mais em nós. O resultado é mais trabalho, e trabalho cada vez mais complicado… no início, passeávamos os “meninos” e dávamos de comer aos mais fáceis; agora perguntaram-nos se podemos chegar meia hora mais cedo, para ajudar a fazer as camas e, em alguns casos, ajudar na higiene dos utentes. Também já nos mandam dar as refeições aos mais complicados, sendo que o resultado foi a necessidade de dois babetes por utente: um para o próprio e outro para quem lhe dá de comer. Alguns começaram a ajudar também a fisioterapeuta do centro, levando-os para a zona de reabilitação a apoiando os exercícios.
A nossa presença (somos 15 voluntários) altera um pouco as rotinas do centro: por um lado, e apesar da nossa inexperiência, vemos que a nossa ajuda é importante, porque, apesar de haver muitas empregados, o trabalho a realizar é imenso. Por outro lado, notamos que as pessoas que aqui trabalham no dia-a-dia ficam contentes por ver-nos: além de aliviarmos o seu trabalho (não a responsabilidade), a nossa disponibilidade para acompanhar os utentes nas horas mortas, com brincadeiras e canções no pátio do centro, torna o ambiente mais agradável.
Para nós, no entanto, o ambiente ainda é pesado: às vezes custa almoçar logo a seguir a dar o almoço aos “meninos”; e nem sempre é grande o entusiasmo com que, após o café, nos preparamos para enfrentar os rios de baba que correm, abundantes, pelas roupas de alguns. Mas aos poucos vamo-nos entendendo: cada um vai conhecendo as manias de dois ou três, de quem se fica mais “amigo”. Notamos que muitos deles criam laços connosco, que no identificam perfeitamente à nossa chegada, que sabem que uns de nós são mais tolerantes que os outros e que todos nós somos mais tolerantes (ou deverei dizer ingénuos?) que as empregadas…
Hoje, o F. foi repreendido por um dos voluntários, pois estava mal sentado à mesa. Levantou-se e foi pegar numa cadeira, assustando o voluntário, temeu que o objecto voasse na sua direcção. Mas o F. trouxe a cadeira para a mesa e colocou-a no lugar onde o T., que estava a entrar na sala, deveria sentar-se para almoçar. Vamos descobrindo que esta é uma característica do F.: gosta muito de ajudar! Quando o companheiro da mesa acaba a sopa, não faz nada; quando acaba o resto, nada faz; mas quando acaba a fruta, lança as suas mãos tolhidas para o fio que prende o babete do companheiro, começando a puxá-lo. Fico horrorizado com aquela hipótese de estrangulamento e vou a correr na sua direcção dizendo-lhe para estar quieto. Nessa altura, o F volta-se para mim com o seu sorriso desdentado, levanta-se com o babete do companheiro na mão e dirige-se, no o seu passo trôpego, à copa, onde coloca o babete no saco da roupa suja…
O J, ao ver-me entrar, agarra-me pela mão e leva-me ao seu quarto. Abre o armário da sua roupa e tira de lá umas calças, que põe em cima da cama, e fica à espera… de quê? Explica-me depois uma das empregadas que, de vez em quando, gosta de trocar de roupa e, como sabe que as empregadas não lhe fazem o gosto, veio ter comigo. Eu guardo a roupa de novo no armário, e o J. fica triste e agarra-me com imensa força para que eu lhe faça a vontade. Estamos neste impasse quando a mão dele afrouxa a pressão sobre o meu braço e volta a cabeça: ouviu um dos voluntários no corredor e decide tentar a sua sorte com mais alguém…
Pequenas histórias como estas fazem o dia-a-dia da nossa actividade aqui. Quando chegámos, disseram-nos para não termos medo dos deficientes. Então era difícil, pois o seu mundo era um mistério para nós. Passado três dias, penetrámos, ainda que de modo ténue, no mundo de alguns deles. E que alegria quando, no canto da boca de alguma daquelas caras mais fechadas, se nota o ligeiro esboço de um sorriso.

3.4.07

O Megafone de Deus (II)

Talvez valha a pena descrever alguns dos nossos amigos destes dias, para que se possa entender melhor este trabalho.

Quando falamos em deficientes profundos estamos a falar de pessoas que não conseguem valer-se a si próprias para a maioria das actividades que desempenham: a maioria não fala e os poucos que falam fazem-no de modo muito difícil de compreender (pelo menos para mim). Há um número muito significativo de deficientes em cadeiras de rodas, muitas vezes amarrados para não caírem nem fugirem. Há também muitos que caminham com certo à vontade, mas é necessário ter especial cuidado com esses, para que não fujam quando se está mais distraído.

É interessante ver como o pessoal do centro (empregadas, terapeutas, etc.) exige os deficientes: a quem pode comer por sua conta, não se dá comida; quem tem capacidade para comer de faca e garfo não come só com a colher; os que podem beber a água por um copo, não bebem por uma palhinha… Isto pode parecer óbvio, mas quando se trata de um centro com quase 70 deficientes, o mérito é muito mais significativo. Tal como na educação das crianças, muitas vezes é mais fácil fazer que ensinar: o trabalho que dá limpar a mesa, o babete e a roupa de alguns deles no final de uma refeição poderia sugerir que é melhor dar-lhe a comida à boca. Mas estamos a falar de pessoas, únicas e irrepetíveis e, por mais incrível que possa parecer, pessoas com uma missão providencial. Na sequência do meu texto de ontem, encontrei uma citação de João Paulo II, recolhida num discurso de Bento XVI, que aponta caminhos para o enquadramento do mistério do mal:

O mal... existe no mundo também para despertar em nós o amor, que é dom de si...

(João Paulo II, Memória e Identidade, citado por Bento XVI, Discurso à Cúria Romana para apresentação do votos de Boas Festas, 22.XII.2005)

2.4.07

O Megafone de Deus

Não sei se terei muito tempo para prosseguir, ao longo desta semana, com estas considerações… De qualquer modo, lanço-me a elas na esperança de perpetuar a intensidade destes dias em que (não por mérito próprio, mas por força das circunstâncias) me encontro no meio de um dos mais belos locais para passar esta Semana Santa.

Há numa das cidades do interior deste país, escondido por uma urbanização de subúrbios, um local extraordinário. Não tem visibilidade nem é conhecido pela maioria dos habitantes da cidade: um cartaz bastante tosco e com letras pequeninas, à entrada de uma estradita de alcatrão coberto de pó, indica o acesso a uma grande casa.

É uma casa de gente inútil: nunca fizeram nada na vida… Bem: alguns fizeram! Tinham os seus trabalhos, as suas famílias, os seus caprichos até que a vida lhes trocou as voltas. Desde então tornaram-se totalmente inúteis. Aliás, dizer que são inúteis é pouco: além de nada produzirem são uma fonte de despesas quer para as suas famílias quer para o Estado, uma vez que aquela casa se mantém com o apoio significativo da Segurança Social. Não só não produzem, como gastam, e gastam bem! Além da alimentação normal de uma pessoa, têm encargos elevadíssimos em medicação, fraldas, camas articuladas, cadeiras de rodas. E como se tudo isto não bastasse, são exigentes: têm que vestir roupa diferente várias vezes ao dia, mudar diariamente a roupa da cama, pedem quem lhes dê a sopa, quem lhes lave os dentes, quem lhes dê banho ou os limpe depois de irem à casa de banho… Isto para já não falar do apoio médico ao domicílio (exigindo frequentes vezes a experiência de especialistas) nem do apoio de terapeutas, fisioterapeutas e uma multidão de empregadas…

Esta casa é, como já se deve imaginar, um centro de apoio a deficientes profundos: nenhum dos habitantes desse centro sobreviveria sem o apoio de alguém: a maior parte não fala, não sabe comer por si, não tem aquilo que nós achamos tão importante: um sentido para a vida! Alguns mal se apercebem de que estão vivos…

Porquê? Porquê o seu sofrimento? Porquê os sofrimentos das sua famílias? Se há um Deus Bom, como explicar estes erros da genética? Bem sei que entrar nestas questões é entrar num dos mais profundos mistérios do Homem: o mistério da dor, que é parte daquele mistério ainda mais profundo que é o mistério do mal! Os teólogos sempre insistiram, no entanto, em que a dor física não é propriamente um mal. Se o mal é a ausência de um bem devido e se Deus permitiu que as pessoas vivessem com deficiências, é porque, nesses casos, a saúde não é um bem devido. Isto é: a pessoa desempenha a sua missão sem, para isso, necessitar de saúde. Isso é evidente em todos aqueles que usamos óculos… No entanto, nesta casa o mistério adensa-se, porque a dor é bem maior que a minha dioptria…

Mistério, sem dúvida… Porque manter essa inutilidade? C. S. Lewis resume, numa frase, um esboço de resposta:

God whispers to us in our pleasures, speaks in our conscience, but shouts in our pains: it is His megaphone to rouse a deaf world.

Neste mundo de surdos, neste mundo em que frequentemente nos centramos em nós próprios, nos nossos quotidianos tantas vezes mesquinhos, estes “inúteis” relembram-nos que há vida fora de nós, que há vida que pede amor… Neste mundo em que há um “consenso alargado” em torno do direito destas pessoas a não nascer, a sua presença incómoda, esbanjadora e “inútil” é um tesouro que só aqueles que os viram sorrir conseguem valorizar devidamente!