30.6.05

Carniceiros e Abutres

O empenho necrófago posto pelo PS na legalização do aborto seria mais um "case study" se não fosse demasiado grave. Para as calendas ficam o choque tecnológico, o desenvolvimento económico, a criação de emprego, reformas justas…Importante é abortar, mesmo que o erário público fique exangue, mesmo que aumentem as listas de espera porque para os doentes não se pode pagar às clínicas privadas mas para abortar sim…Até porque se pode dar aos "amigos" uma oportunidade para abrir clínicas "seguras" de "planeamento familiar".
Carniceiros porque se sabe que cada aborto é uma vida humana imolada, esquartejada física e moralmente, nas aras de interesses asquerosos e da incapacidade dos Políticos de desenvolverem e apoiarem iniciativas sociais adequadas…
Abutres porque se preparam para se alimentar dos restos fúnebres desta Europa decadente, sem alma, sem ideais nobres, sem filhos e, portanto sem esperança de futuro, que eles próprios ajudam a matar.

29.6.05

Harry Potter

Uma onda de mails alerta-me para os perigos dos livros de Harry Potter (aguarda-se com expectativa a saída do sexto volume no próximo mês)! Alguns chegam com uma provocação: ao aconselhar tais livros, estou a colaborar com a paganização do mundo das crianças.
Entendamo-nos: os Harry Potter não são, de modo nenhum, os livros mais entusiasmantes da minha vida! Nem sequer os livros juvenis que mais recomende. Li-os por motivos profissionais e creio que têm as suas virtudes: as suas histórias fogem ao simplismo maniqueísta, estão escritas com agilidade, divertem… Não nego que há aspectos que me desagradam: acho que a abordagem da família num livro juvenil deve ser mais positiva; acho que, com muita frequência, a transgressão é mais valorizada que a rectidão; acho que a magia não deveria ser mais valorizada que a virtude.
Harry Potter é inócuo? Não. É desaconselhável? Também não! O seu universo de bruxaria e feitiçaria é fascinante para as crianças, mas não mais que os universos fantásticos das fábulas e contos populares que todos ouvimos, ora em versões mais rústicas ora com canções da Disney. O simplismo dessas histórias torna mais evidente a dualidade entre bem e mal, promovendo a formação da consciência moral. E essas histórias podem continuar a desempenhar essa função. No entanto, o mundo não se reduz ao simplismo da Gata Borralheira ou dos Três Porquinhos. Por isso mesmo, a leitura de Harry Potter pode chegar a ser um bom motivo para fomentar o diálogo familiar sobre os vários temas que são abordados nas suas milhentas páginas.
Como acontece com a generalidade dos livros (inclusive a Bíblia), Harry Potter só é nocivo se for lido sem enquadramento; mas nenhum pai responsável é indiferente às leituras dos seus filhos. O problema não está, portanto, no feiticeiro de cicatriz na testa: está, acima de tudo, na formação dos pais. Harry Potter é nocivo para aqueles que não podem distinguir a realidade e a fantasia; mas os que chegaram a essa situação são perfeitamente indiferentes à paganização: eles já são neo-pagãos! É por isso que lutar contra as varinhas do Harry Potter é uma absoluta perda de tempo: os que escutam a crítica são os quem têm o antídoto para o veneno!

28.6.05

Interesse Nacional ou Interesse do Imperialismo Internacional?

Segundo consta o Ministro das Finanças foi à Suécia buscar a bizarria de pôr as declarações de IRS nas mãos de todo o mundo. Veremos os resultados. Mas, salvo o devido respeito, se uma das grandes preocupações é o deficit da Caixa Nacional de Pensões, porque motivo não se vai buscar também à Suécia, a sua política pró-natalista que tanto êxito tem tido? Ou será que a urgência em fomentar a educação sexual nas Escolas, a anti concepção e a liberalização do aborto significam a sujeição do Interesse Nacional aos, sobejamente conhecidos, interesses do Imperialismo Internacional?

A Greve Dos Professores

È demasiado cedo para medir as verdadeiras consequências da Greve dos Professores. Aparentemente tudo correu bem para o Governo: decretou unilateralmente serviços mínimos e, salvo algumas excepções, os exames realizaram-se com “normalidade”. A Ministra pode exultar. Mas poderá realmente?

O Presidente da República, em outras situações tão atento à constitucionalidade das leis e à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, optou por ir à bola na Cova da Moura e visitar empresas de sucesso. Em ambas as situações aproveitou para mandar uns mais que vulgaríssimos bitates sobre o racismo, os deveres da Banca, os Professores, os Jornalistas…E não consta que tenha erguido a voz ou questionado o Governo sobre o facto de, coisa rara senão singular desde o 25 de Abril, terem sido pedidas às Escolas listas com o nome dos grevistas

O Primeiro-ministro mudou de discurso pela terceira vez em cerca de meio ano: o discurso do candidato eleitoral, o discurso do deficit para justificar o não cumprimento das promessas que lhe deram a maioria absoluta, o discurso de que com deficit ou sem ele tomaria estas controversas medidas porque são…justas. (Cfr. Debate Parlamentar de 24 de Junho de 2005)

Voltando ao tema da Greve urgente parece ser clarificar aquilo que, sendo fundamental foi pouco ou nada debatido: a legalidade da decisão do Governo de decretar, unilateralmente, serviços mínimos.
Com efeito, esta decisão coloca claramente a dúvida de saber se, em Portugal, a Função Pública tem ou não direito à greve. Porque, se a decisão do Governo tem suporte legal isso significa que o Poder Político tem, unilateralmente e sem recurso a uma Comissão Arbitral, capacidade para esvaziar qualquer greve dos seus servidores. Da mesma forma que foi possível decretar, em época de exames, ser a sua realização os serviços mínimos a cumprir pelos grevistas, também será possível amanhã, decretar em tempo de aulas que estas são os serviços mínimos com base no direito à escolaridade dos Alunos e à tranquilidade das suas Famílias…Do mesmo modo, por exemplo, em caso de greve, os Juízes poderão ser obrigados a realizar os julgamentos agendados e os Funcionários das Finanças a receberem os impostos com a argumentação de que é fundamental respeitar o direito dos cidadãos à Justiça ou o seu direito-dever cívico, inadiável, de pagar, atempadamente, os impostos…

A Greve dos Professores, se não tiver outro, teve o mérito de levantar esta questão. E não é pequeno mérito, num País que se quer livre; respeitador dos direitos fundamentais dos cidadãos; consciente de que Estado Social é aquele que eleva todos os cidadãos a mais e melhor qualidade de vida e não aquele que os iguala por baixo, proletarizando a maioria, à sombra do discurso, hipócrita e enganador de que aplica medidas socialmente justas … Porque a Justiça não consiste em medir tudo pelo mesmo rasoiro mas em dar a cada um aquilo que lhe é devido.

27.6.05

Estreia em Junho!

Acabava de publicar o post anterior e dei-me conta de que, afinal, tinha havido movimentações nas Catacumbas, hoje mesmo. O Max estreou-se, e bem, com um post sobre o estado das finanças públicas.
São vários regressos: o regresso aos posts longos (é certo que ninguém gosta de posts longos, mas um de vez em quando também não é para levar a mal!) ; o regresso à actualidade política (tão abandonada nos últimos meses por estas bandas... eu bem pedi ao Sebastião um texto sobre a greve dos professores!); e espero que o regresso de alguns comentários que animem a discusão (talvez o Max seja mais generoso que eu a responder).

Junho...

Eu sei que isto tem andado um bocado parado!
Junho: mais trabalho; mais praia nos tempos livres; mais esplanada durante as noites quentes; mais cafés com os emigrados que regressam à terra… E, depois, nem sempre há inspiração… Ou há a ideia de que, se o outro blog já escreveu tão bem sobre o caso, para quê acrescentar?
De qualquer modo, não posso deixar de agradecer ao R. e à Juliana: apesar de não ter respondido, vejo os vossos amáveis comentários…
Entretanto, fiquem lá com mais uma pintura de Friedrich.
(Caspar Friedrich, Cruz no Báltico, 1815)

23.6.05

Será mesmo "autista"?

Para quem se queixava de falta de diálogo, eis que Bento XVI se prontifica a falar por telemóvel com uma doente terminal, a pedido de um outro doente presente na praça de S. Pedro.

22.6.05

S. Tomás Morus

S. Tomás Morus, proclamado Patrono dos Governantes e dos Políticos em 31 de Outubro de 2000 pelo Papa João Paulo II, na sequência da recolha de centenas de assinaturas de Chefes de Estado e de Governo, Parlamentares e Personalidades politicas de todo o mundo, promovida pelo Presidente da República Italiana Francesco Cossiga, foi um homem notável.
Humanista de grande renome , jurista de grande saber, diplomata arguto, pelas suas qualidades o primeiro não clérigo a ocupar o lugar de Chanceler de Inglaterra. Foi destituído do cargo por não concordar com a decisão de Henrique VIII de, para casar com Ana Bolena, fazer votar pelo Parlamento o "Acto de Supremacia" e, por força desta lei, retirar ao Papa os seus direitos e poder espiritual para considerar-se, simultaneamente, rei e chefe da igreja de Inglaterra.
Perdeu o cargo, os bens, a vida...Encarcerado na Torre de Londres, foi condenado num julgamento iníquo. Entregou-se nas mãos do carrasco, perdoando-lhe e declarando que morria como fiel súbdito do rei mas de Deus primeiro, com a certeza de que há situações em que um homem pode perder a cabeça sem sofrer, por isso, qualquer prejuízo.

21.6.05

O Público errou...

Há alguns meses atrás quando o Parlamento estava a votar o referendo sobre o aborto, o Público referia, na primeira página, que um estudo realizado nos EUA revelava que os jovens que diziam abster-se de relações sexuais pré-matrimoniais corriam os mesmos riscos de contrair doenças sexualmente transmisíveis, com base na ideia de que incorreriam em outras práticas de risco.
Dois investigadores da Heritage Foundation pegaram nos mesmos dados e chegam a dados absolutamente contrários que podem ser analisados aqui.
Talvez a capa do Público de amanhã traga um desmentido!

17.6.05

Dois pesos e duas medidas

O Lóbi do Chá escreve um lúcido post sobre o modo como o duplipensar do PCP e do BE se manifestou a propósito do arrastão de Carcavelos. Para a esquerda nacional não interessa o que é o populismo; mas, como é um insulto, há que usá-lo como arma de arremesso política!

16.6.05

Lá como cá...

... Consevatives do not have a party

On the great battlefields of marriage and the family, education and culture, morality and law, the Tories have been utterly outmanoeuvred and bypassed. Because they did not fight, they co-operated in the destruction of their own electorate. To this day, they have no idea why it is that they are so despised by the young, and their wretched attempts to toady to fashion — in such areas as civil partnerships for homosexuals — manage to offend or puzzle their supporters while utterly failing to convince their opponents that they are genuine.

(Peter Hitchens, Spectator)

13.6.05

Quadra de Sto. António

Meu rico Santo Antoninho
Tu vê lá se te desunhas:
Não te esqueças de mandar
Visitantes às Catacumbas!

Requiem...

Álvaro Cunhal
Eugénio de Andrade
Paz às suas almas!

Dia de Sto. António

Se milagres desejais,
Recorrei a Santo António,
Vereis fugir o demónio,
E as tentações infernais.
Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro, a morte.
O fraco torna-se forte
E o enfermo torna-se o são.
Recupera-se o perdido,
Rope-se a dura prisão,
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.
Todos os males humanos
Se moderam, se retiram,
Digam-nos os paduanos,
Dgam-nos aqueles que o viram.

12.6.05

"Não somos só garanhões!"

Lisboa; tarde de Domingo meio enevoada; uma esplanada plantada à beira de um pequeno lago; o Tejo ao fundo. Na esplanada lêem-se, em silêncio, as obras acabadas de comprar na feira do livro. Um estudante prepara um exame. Alguns grupos conversam animadamente. Com um amigo ponho a conversa em dia…

O estudante vai-se embora e, na mesa que deixou livre, sentam-se três garanhões! Alto, claro e bom som contam aventuras que só por eufemismo poderei chamar amorosas; dito com maior rudeza, narram os mais ínfimos (também seria eufemismo chamar-lhes íntimos) pormenores dos seus engates do fim-de-semana prolongado!

Uma pata e três patinhos atravessam a passadeira de madeira da esplanada em direcção ao lago. Os esplanantes vão abandonando as suas leituras e conversas, ficando com a atenção presa à imagem bucólica dos três patos a brincar na água, sob o olhar da pata. O silêncio toma conta da esplanada até que, alto, claro e bom som, se ouve:

- Afinal não somos só garanhões!

A simplicidade do episódio tinha despertado os três don Juanes da mesquinhez sensual… E começaram a falar sobre a beleza da cidade!

Bom Domingo!


(Caspar Friedrich, Der Watzmann)

11.6.05

O Papa, a África e a Sida

(Desta vez, nas suas próprias palavras)

It is of great concern that the fabric of African life, its very source of hope and stability, is threatened by divorce, abortion, prostitution, human trafficking and a contraceptive mentality, all of which contribute to a breakdown in sexual morality. Brother Bishops, I share your deep concern over the devastation caused by AIDS and related diseases. I especially pray for the widows, the orphans, the young mothers and all those whose lives have been shattered by this cruel epidemic. I urge you to continue your efforts to fight this virus which not only kills but seriously threatens the economic and social stability of the Continent. The Catholic Church has always been at the forefront both in prevention and in treatment of this illness. The traditional teaching of the Church has proven to be the only failsafe way to prevent the spread of HIV/AIDS. For this reason, "the companionship, joy, happiness and peace which Christian marriage and fidelity provide, and the safeguard which chastity gives, must be continuously presented to the faithful, particularly the young" (Ecclesia in Africa, 116).

(Bento XVI, Discurso aos Bispos da África do Sul, Botswana, Swazilândia, Namíbia e Lesotho, 10.VI.2005)

10.6.05

Uma obra excepcional!

Morde-me a consciência por exercer, no dia de hoje, o desporto nacional de criticar o país.
Mas também me roí de inveja ao contemplar uma obra notável: construído por dois clubes de futebol (o FC Bayern Munich e o TSV 1860) ao abrigo do mecenato da Allianz, sem subvenção pública, sem derrapagem orçamental, pronto mais de um ano antes do início do mundial, obra de um atelier realmente excepcional (Herzog e de Meuron)...
Minhas senhoras e meus senhores: de Munique, o fabuloso Allianz Arena (mais fotos nesta ligação):

8.6.05

Será necessário “baixar o nível”?

A Dove Foundation é uma fundação norte-americana que que procura promver entre os criadores e distribuidores de produtos de entertenimento, o cuidado pela produção de produtos para todos os públicos ("family-friendly"). Recentemente lançou um estudo em que revela como os filmes classificados com G (general audience) são 11 vezes mais lucrativos que os classificados com R (restricted audience).
While the movie industry produced nearly 12 times more R-rated films than G-rated from 1989 – 2003 (1,533 and 123 respectively), the average G-rated film produced 11 times greater profit than its R-rated counterpart ($78,982 and $6,939 respectively).
G-rated films also produced an average rate of return on investment (ROI) three times greater than R-rated films. (94.5% vs. 28.7%)
Between 2000 and 2003, Hollywood produced nearly four times as many PG-13 films as PG. (75 vs. 21). During that same time, the average PG film produced $33 million greater profit than a PG-13 film ($78.8 million vs. $45.6 million).
G-rated films were identified overall as most lucrative in all of the following categories:
-Net profit per film
-Theatrical box office per film
-Video revenue per film
-Rate of return per film
Films with a PG rating consistently report higher profits and rates of return than PG-13 and R-rated films.

5.6.05

Não II

Perdi o meu tempo ao escrever o post sobre as razões para votar Não! Mas era um desafio que me tinha lançado a mim próprio, e que compromete o R a dar as suas razões.
Disse que perdi o tempo porque só após escrever o post é que tive oportunidade de ler o notável artigo de João Carlos Espada no caderno Actual, do Expresso (ligação disponível para assiantes).
Dir-me-ão que a perspectiva de fazer crescer uma Europa verdadeiramente democrática e liberal é utópica! Se o é (coisa de que duvido) será que só a esquerda tem o “direito à utopia”? E se o não é, não será que achamos utópica a realidade quando vivemos alienados no culto do estado?

Bom Domingo!


(Caspar Friedrich, A bordo de um Veleiro, Museu do Ermitage)

Não

No Rectângulo, o R. escreveu um post em que lamentava o Não francês e holandês à “Constituição Europeia”. Lancei, então, dois desafios: que ele esclareça porquê votar “sim” e eu procurarei esclarecer porquê votar “não”!
Antes de prosseguir, gostava de fazer algumas ressalvas:
Em primeiro lugar eu aprecio o projecto europeu. Apesar de algumas ilusões, o percurso da CEE até à EU teve méritos inquestionáveis. O primeiríssimo foi, obviamente, a paz! Alguns “realistas” destacarão a supremacia militar americana como factor dissuasor da violência na Europa. Mas uma boa dose de “idealismo” europeu foi necessária para que se passasse do confronto à cooperação num continente marcado pela divisão ao longo de tantos séculos. O segundo mérito da construção europeia foi a abertura dos mercados. A Europa, graças à progressiva união, viu aparecer um mercado comum que acelerou o desenvolvimento dos estados europeus. O facto de agora se contestar o modelo social forjado ao longo de todos estes anos (sustentado num clima de grande crescimento económico, mas insustentável perante os desafios actuais) não deve fazer esquecer que a criação do mercado comum foi um factor importantíssimo, que os países puderam, ou não, aproveitar.
A segunda ressalva não diz respeito à União Europeia, mas ao nacionalismo: não acredito nas nações como entes sobrenaturais. Elas são entes políticos, isto é, comunidades em que os homens se agrupam com vista a satisfazer as suas necessidades. Logo, é natural encarar a nação ao serviço do Homem, e não o contrário. No entanto, a identidade individual deve muito à cultura da comunidade nacional em que se insere. Por isso uma nação não pode surgir ou desaparecer simplesmente, seja por uma invasão, um decreto, um tratado ou um voto.
Feitas estas ressalvas, passemos ao Tratado Constitucional Europeu (TCE), e às razões pelas quais defendo o Não.
A génese do TCE representa o aspecto mais negativo da construção europeia: a institucionalização da burocracia. Os “chumbos” de que o tratado já foi alvo (e os que ainda o esperam) revelam a arrogância burocrática que achou que bastava um comité de sábios para redigir um documento que se pretendia de carácter fundador. Uma constituição surge, normalmente, num momento crucial da história de um povo. Mas o TCE pretendeu fundar, a partir dos gabinetes, a Europa. (Não por acaso, nesta tentativa de fundar por decreto a nação europeia, o TCE consagra os símbolos da união.)
O TCE é, portanto, na sua génese, um projecto tão ambicioso como as doutrinas do século XVIII que inspiraram o Praesidium da Convenção. Talvez por isso seja tão ingénuo na ambição omnisciente que caracteriza as suas 500 páginas. Este TCE representa, afinal, as prioridades da vanguarda burocrática europeia. E essas não têm que ser as prioridades da União, porque a união não são as instituições de Bruxelas, mas os milhões de cidadãos dos estados-membros. Muitos criticaram o voto dos francesesm considerando-o unilateral, por reprovar o tratado tendo em conta a França e esquecendo o resto da união. Mas não esqueçamos que a própria Comissão procura impor a sua agenda, como fez Romano Prodi, ao ameaçar o Reino Unido, a fim de pressionar o governo de Blair a ratificar o TCE sem referendo.
A União Europeia, se caminhar para o federalismo, deverá continuar pelo trilho menos directo mas mais frutuoso das pequenas negociações, dos avanços e compassos de espera. A Comissão não deverá impor uma agenda própria, mas negociar uma agenda da União, isto é, uma agenda concertada pelos estados-membros.
Os poderes estabelecidos no tratado são confusos.
Entre o Presidente do Conselho e o Presidente da Comissão surgirá, inevitavelmente, o choque (o que, por si só, não seria mau) e, provavelmente, o conflito (o que seria terrível). O fortalecimento da Comissão só pode dar-se se não se der um enfraquecimento dos estados no Conselho. Mas terminar com a unanimidade e aumentar os poderes da Comissão (em que nem todos os comissários têm direito de voto), pode significar a exclusão dos pequenos países das decisões relevantes.
A alternativa para o aprofundamento da União deverá passar, obrigatoriamente, por dois aspectos: uma liberalização da Europa (reduzindo as competências da burocracia europeia); uma democratização das instituições, cujo motor pode ser um verdadeiro Parlamento Europeu, cujos deputados sejam responsabilizados perante os eleitores e se vejam confrontados com escolhas mais relevantes que a homogeneização das dimensões dos preservativos ou a proibição das colheres de pau nos restaurantes!
Há aspectos positivos no TCE, que convém louvar. Após toda a regulamentação burocrática poderá restar algum espaço para os aspectos de liberdade económica propostos pelo texto, que poderiam introduzir alguma lucidez na política económica dos estados-membros (particularmente os dos países ocidentais), cujo apego ao “modelo social europeu” coloca em risco não apenas esta geração, mas o futuro da Europa.
Em jeito de conclusão, recordaria um texto notável que Pacheco Pereira escreveu há dois anos (foi coincidência), e que resume, em meu entender, o que há a dizer sobre o TCE:
A maioria dos europeus não é maçónica, muitos não são sequer republicanos, muitos consideram que antes do cidadão está "a persona" e esta remete para valores transpolíticos de carácter religioso, bastantes vivem em estados onde há "religiões de Estado". Isto é que é verdadeiramente a Europa, a grande Europa, a Europa que forjou uma cultura europeia de diversidade e confronto, de diferenças e tradição. A Europa do "preâmbulo" é uma pequena Europa, sectária, que reduz em vez de enriquecer. Por estas e por outras, é que não desejo uma Constituição Europeia que me obrigue a ser o que não sou.
(Pacheco Pereira, Público, 5.VI.2003)
O texto tem a sua história. O Praesidium da Convenção que estava encarregue de redigir o TCE recusou a referência ao cristianismo, substituindo-a pela curiosa expressão de “elã espiritual” europeu. Por contraste, a referência às luzes era explícita. Ora, quando muitos autores contestaram a exclusão do cristianismo, mais que advogar um retorno à teocracia – quem vê em Pacheco Pereira um miguelista? – pretendiam chamar a atenção para a parcialidade do projecto do TCE, que acabaria por obrigar os europeus a serem aquilo que eles não são e a transformar a Europa naquilo que ela não é!

4.6.05

Religião vs. Ideologia

A Spectator (28.V.2005) publicou um interessante artigo (só disponível para assinantes) sobre a diferença entre religiões e ideologias! Andrew Kenny, o autor que se apresentou como residente em África, ateu e crítico da moral sexual católica, pretendia, curiosamente, vir em defesa dos papas João Paulo II e Bento XVI contra aqueles que os consideraram responsáveis pelo flagelo da SIDA no continente africano. O argumento de Kenny (como já se abordou aqui) era o seguinte:

high proportion of infection comes from ‘non-consensual sex’, where the man is never going to use a condom, even if the Pope orders him to do so. African women tell us that their husbands and lovers would beat them up if they asked them to use them. The breakdown of the black family and the high incidence of married middle-aged men copulating with young girls hugely exacerbate the spread of HIV infection. The Pope’s message of abstinence outside married life and faithfulness within it would be effective if it were followed — more so than a message of free love and condoms.

Caso haja dúvidas, apresenta de seguida o caso do Uganda,

seems to be very successful in reducing HIV incidence by calling publicly for abstinence, faithfulness and condoms, which seems to me the best possible advice.

O objectivo do artigo não era, no entanto, a defesa dos papas, mas a crítica da ideia (tão difundida) de que a religião é fonte invariável das coisas más.

Mais que à religião, Kenny aponta o dedo às diversas ideologias, com destaque para a ideologia mais consensual do nosso tempo: o ecologismo. Após a descrição do muito debatido caso da proibição do DDT, Kenny cita a resposta de um dirigente ambientalista norte-americano quando confrontado com a afirmação de que o insecticida em questão salvaria milhares de vidas:

So what? People are the main cause of our problems. We have too many of them. We need to get rid of some of them and this is as good a way as anything.

E Kenny prossegue:

Here is the key difference between ideology and religion. Here is the fundamental reason why so many ideologues hate the Catholic Church. It was best articulated by Savitri Devi, sometimes called ‘Hitler’s Priestess’, the green mystic, pagan and worshipper of Hitler, who said that Christianity was ‘centred on man’ whereas her green and fascist creed was ‘centred on life’.

João Paulo II insistiu, com frequência, na ideia de que o cristianismo não deveria ser uma ideologia a partir da qual se possa transformar o mundo. Devia ser um encontro pessoal (não abstracto) com a pessoa de Cristo. Kenny entendeu que há uma diferença significativa entre comprometer-se com uma Pessoa para o bem dos outros e comprometer os outros numa visão transformadora do mundo: os líderes religiosos estão comprometidos pelas autoridades dos deuses ou das tradições; os ideólogos não estão limitados por nada!

IPPF A Quanto Obrigas...

Ontem, no Noticiário das 22.00h da RTP2, a Ministra da Educação reafirmou a sua vontade de levar para a frente como obrigatório, consequentemente mesmo contra a vontade dos Pais, o debatido PQNE (leia-se Programa Que Não Existe) de Educação Sexual nas Escolas, afirmando que se tratava de ensinar educação sexual e não moral sexual.

Pergunta-se:
Como é possível educar pessoas, no caso ensinar-lhes atitudes e comportamentos, retirando-lhes a sua componente moral?
Como é possível que a Ministra da Educação, num Estado de Direito e Democrático, se arrogue o poder de avançar com um projecto, claramente de preversão de crianças e adolescentes, à revelia e contra a vontade dos Pais, que são os primeiros e principais educadores de seus filhos, e em última análise quem paga o ordenado da Ministra e as consequências para os Filhos da execução do PQNE?
Monopolizar a Educação foi sempre característica dos Estados e das Ideologias Totalitárias.

2.6.05

O Corão no Ocidente e a Bíblia na Arábia

A notícia da revista Newsweek acerca de eventuais profanações do Corão nos interrogatórios de Guantanamo suscitou mais uma onda de manifestações anti-ocidentais, quer em países como a Arábia Saudita quer entre muitos intelectuais do Ocidente. O acusação era a mesma: os EUA eram o expoente máximo do imperialismo ocidental e isso estava patente no modo como os soldados americanos tratavam os prisioneiros muçulmanos.
Não se sabe se por pressão do governo norte-americano ou se por a notícia não ser verdadeira, a Newsweek retractou-se, afirmando que não tivera suficiente cuidado na verificação dos factos e lamentou as vítimas que os protestos suscitados pela notícia tinham causado.
Mas a questão da verdade ou da falsidade tornou-se, nestes temas, irrelevante: dado o mote pela Newsweek, o refrão das críticas ao Ocidente reinicia-se, começa a criticar-se a religião cristã como fonte de todas as intolerâncias e os EUA como o albergue de toda a opressão. Desta vez, o paroxismo foi a comparação, pela Amnistia Internacional, de Guantanamo com o sistema de Gulag!
Não estou aqui a defender Guantanamo: apesar de dar algum desconto aos relatos que dali vêm, creio que, pela sua pouca transparência, é um fenómeno que contradiz os princípios da justiça numa sociedade livre. Mas é dramático que a discussão sobre Guantanamo tenha feito tantos alinhar com os protestos da Arábia Saudita contra a profanação do Corão. Um Saudita residente em Washington pôs o dedo na ferida ao lembrar que, no seu país, quem tiver uma Bíblia pode ser apedrejado:
I am able to purchase copies of the Quran in any bookstore in any American city, and study its contents in countless American universities. American museums spend millions to exhibit and celebrate Muslim arts and heritage. On the other hand, my Christian and other non-Muslim brothers and sisters in Saudi Arabia - where I come from - are not even allowed to own a copy of their holy books. Indeed, the Saudi government desecrates and burns Bibles that its security forces confiscate at immigration points into the kingdom or during raids on Christian expatriates worshiping privately.

(Ali Al-Ahmed, The Wall Street Journal, 20.V.2005. Vale a pena ler o artigo e alguns dos comentários)

1.6.05

Ainda Ratzinger, a Igreja e a pena de morte

Algumas pessoas ficaram surpreendidas com o post sobre Ratzinger, a Igreja e a pena de morte. Como esclarecimento, só acrescentarei que para a Igreja actual a pena de morte é um problema teórico (os casos em que se deve aplicar praticamente não existem , como afirmou João Paulo II). Assim sendo, são de saudar todas as iniciativas para a sua abolição, como a promovida pelos bispos americanos (ver aqui).
Obviamente que não parece sensato ter-se um indivíduo preso e afirmar-se, simultaneamente, que não se tem capacidade para impedir a sua acção criminosa. Mas também não me parece sensato caír na ingenuidade de considerar que não somos capazes de outros holocaustos. Quem nos garante que as situações que hoje são teóricas não poderão vir a tornar-se reais no futuro?